Humor em tempos de Covid

Por Cado Bottega, para Coletiva.net

Crédito: Reprodução

A frase é muito conhecida: "Rir é o melhor remédio". Em tempos de pandemia, pode fazer ainda mais sentido. Rir da própria desgraça nem sempre é fácil, mas é uma forma eficaz de tentar reavaliar situações negativas pelas quais estejamos passando. Sou um estudioso do humor, além de ser cartunista com premiações regionais, nacionais e internacionais.  O humor gráfico na forma de charge, cartum ou caricatura prega que o artista enxergue a realidade de uma forma diferente, enviesada e, em bom gauchês, "de revesgueio."

Faz todo o sentido tentarmos nos colocar distantes dos problemas, olhando-os por outros pontos de vista e buscando interpretações alternativas. O humor faz exatamente isso - inverte perspectivas, surpreende com ideias inesperadas - e nesse processo ajuda efetivamente a repensar significados - mesmo os negativos. Rir da própria tragédia, portanto, pode ser uma forma de lidar com o problema sem deixar de pensar sobre ele.

Relendo um artigo escrito por Daniel Martins de Barros para o Estadão destaco o seguinte trecho:  "Sabemos que o riso é uma forma de lidar com ambiguidades que geram tensão, sobretudo quando são situações inesperadas. O riso de nervoso é um efeito colateral desse mecanismo, e fenômenos sociais como as piadas que se proliferam após mortes de figuras públicas ou tragédias nacionais testificam o mesmo fenômeno. É também do senso comum dizer que o brasileiro adora rir da própria desgraça, e que o humor nacional seria vitaminado pela riqueza de adversidades a que somos submetidos como nação." 

No início da pandemia a inspiração dos artistas gráficos de humor do mundo todo aflorou de uma forma muito forte: cartuns, charges, tiras, quadrinhos começaram a povoar as redes, os periódicos, os blogs, os editoriais de revistas. Será que o humor tem a força de atenuar a carga negativa de determinados estímulos, ou rir seria apenas uma forma de distrair a mente, tentando ignorar a fonte de desconforto? 

Pode ser difícil responder cientificamente a esta questão, mas a reação das pessoas que lêem e apreciam este tipo de humor o tem como um bálsamo ou pílulas de bem-estar como costumo dizer. Falo isso com a comprovação de quem, desde o início da pandemia, seleciona uma média de seis cartuns por dia e publica no Instagram com o nome de "Cartunavírus". É um trabalho de garimpo com talentos do mundo todo que usam a Covid-19, o coronavírus como tema principal e conseguem fazer sínteses incríveis, críticas e até provocar o riso em um momento tão complicado.

Já passaram pelo @cartunavírus centenas de cartuns e, cada vez mais, a criatividade surpreende e parece ser inesgotável, ora tratando da doença, do vírus, passando pela cura, pela vacina, pela política e pelos políticos.    

Em tempos tão complicados em que tivemos que nos readaptar e praticar a paciência e a resiliência, o humor vem para, na medida do possível, deixar as coisas mais leves mesmo que por breves instantes ou horas. É aquele momento em que os cartunistas se travestem de fisioterapeutas da face tentando eliminar a tristeza, o baixo-astral e a melancolia e, com todo o seu talento,  aceitam o desafio de colocar  um sorriso em cada rosto.

Com o poder de compartilhamento das redes sociais, o humor pode contagiar e abater o baixo-astral diariamente. É como se fosse uma enorme corrente: você lê, recebe a sua dose e passa adiante para que mais pessoas possam receber o antígeno. É simples, é nobre, é divertido. Rir de máscara pode ser invisível aos olhos, mas não é invisível para a alma.

Ricardo 'Cado' Bottega é criador do @cartunavírus no Instagram, cartunista e artista gráfico, vice-presidente da ARP e conselheiro e co-fundador do Clube de Criação RS 

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