Mulheres na telinha: menos estereótipos e mais vida real

Por Patrícia Lapuente, para Coletiva.net

"Cria" dos anos 1990, sou mais uma millennial apaixonada por Friends. Mas vamos combinar que a patricinha Rachel, a neurótica Monica e a tolinha Phoebe são apenas alguns dos estereótipos femininos que roteiristas insistiam em escrever naquela época. As próprias Marissa e Summer, de The OC, e a dupla dinâmica de mãe e filha, Lorelai e Rory, de Gilmore Girls, acabam pecando no quesito "pé no chão". 

A primeira vez que me deparei com uma personagem mais real, com todas as suas vulnerabilidades, foi em One Tree Hill, quando a líder de torcida Brooke, nem vilã, nem mocinha, apenas uma adolescente normal, com todos os dramas que essa fase pode transparecer, trouxe à tona em sala de aula sobre quem realmente era. Um episódio baseado em como rótulos podem atingir as pessoas de maneira tão profunda. Em uma das cenas, deparamo-nos com expressões como "não tão boa o suficiente", "não tão esperta o suficiente" e "não tão bonita o suficiente" projetadas sobre Brooke. Pensamentos que já passaram pela minha cabeça e tenho certeza de que pela de muitas gurias, e julgamentos que todas nós, mulheres, deparamo-nos a cada dia. 

Crédito: Reprodução

Depois de tantos anos desde que One Tree Hill e a maravilhosa Brooke Davis tiveram o último episódio no ar - sim, essa série é do tempo em que esperávamos uma semana para acompanhar cada episódio, com horário marcado na grade da TV -, atualmente três séries me fazem ter a mesma sensação de empoderamento e realidade feminina. A primeira delas não poderia ser outra além de This Is Us, afinal, o nome (Esses somos nós) resume muito bem de que trata uma trama baseada em cada um dos telespectadores. Não tem como assistir sem se enxergar em alguma situação vivida por cada um dos personagens.

This Is Us

Crédito: Reprodução

Mas vamos falar sobre as mulheres incríveis dessa série. Nela, somos apresentados a mãe de trigêmeos Rebecca, a sua filha Kate, sua nora Beth e suas netas Annie, Tess e Deja, fora as personagens mais secundárias, mas não menos importantes. Queria aqui fazer um resumo de várias situações que demonstram o quão importante a construção delas é para a história da dramaturgia, mas seria dar spoiler demais. 

O que posso adiantar é que a trama traz situações das mais diversas, as quais nós, ou nossas amigas e familiares, já passaram, como: desistir ou se frustrar com uma carreira, lidar com as dificuldades de um relacionamento - seja com filhos, marido, namorado, pais -, enfrentar problemas relacionados a um transtorno alimentar ou à maternidade e, acima de tudo, se provar e entender o seu papel como mulher em uma sociedade machista. 

Outlander

Crédito: Reprodução 

O que dizer de Claire? Enfermeira e recém casada, que deixou os cuidados do lar, como era de costume na época, para ajudar os feridos durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo se passando em uma ficção completa, visto que se trata de uma trama sobre viagem no tempo, a realidade da personagem passa longe de estereótipos rotulados para a época na telinha, já que existiram muitas mulheres à frente do seu tempo, que lutaram bravamente por direitos conquistados. 

A história de uma mulher submissa passa longe da série. A personagem deixa claro que não é apenas uma propriedade dos homens, passa por diversos tipos de violência e, depois de anos e com uma filha pequena, decide ingressar na faculdade, cursando Medicina e sendo a única aluna, em meio a colegas homens e professores que duvidam de sua capacidade.

The Bold Type

Crédito: Reprodução 

 Nunca me senti tão representada quando assisti pela primeira vez The Bold Type. Muito provavelmente porque se passava em uma redação de revista, é verdade. Então, todos os meus dilemas e percalços foram representados ali, na minha frente, principalmente na pele da jornalista Jane. Mas se você não é da área, não tem problema, porque também vai se identificar. Os estereótipos comuns não sobrevivem a mulheres empoderadas e, ao mesmo tempo, vulneráveis. E isso tem uma resposta muito lógica: a trama é baseada na vida e carreira de Joanna Coles, ex-editora-chefe da revista americana Cosmopolitan.

As amigas Jane, Kat e Sutton precisam encarar problemas com relacionamentos, sim, que inclusive não são somente héteros, mas também temáticas como câncer de mama, racismo, posicionamentos políticos e até mesmo a tão contestada decisão que muitas mulheres tomam: não ter filhos. Aliado a isso, há ainda a chefe delas: Jacqueline, uma personagem extremamente forte e empoderada. Quando aparece pela primeira vez, o telespectador logo é levado a associar a outra líder lendária, Miranda Pristley, imortalizada por Meryl Streep em 'O Diabo Veste Prada', com um caminhar elegante, guarda roupa clássico, mas também fashion, e o bom e velho salto alto - olha aí eu, caindo nos estereótipos.

Nada disso, pelo contrário. Jacqueline é a chefe que todas nós precisamos e não sabíamos. Forte e empoderada, sim, mas também justa, amiga, generosa e sábia, muito sábia. E, por trás de tantas qualidades, há também muitas fragilidades, a exemplo de uma crise no casamento por ter se dedicado de corpo e alma ao trabalho a vida inteira, enquanto o marido se sente sozinho, até ter passado por um abuso sexual por um antigo chefe. 

Mas cadê esse estereótipo das mulheres que estava engendrado na cultura das séries, então? Eu é que não sei? Ainda bem! Só me resta aproveitar a diversidade de temas e narrativas extremamente pertinentes às mulheres, afinal, eu, por exemplo, aprendo o tempo todo com essas tramas. Não é apenas diversão, é muito mais do que isso. É representatividade.

Patrícia Lapuente é jornalista, editora de Coletiva.net, apresentadora do Drop News em Coletiva.rádio, repórter das revistas Tendências e obcecada por séries.

Autor
Editora

Comentários