O preconceito do preconceito!

Por Christian Jung, para Coletiva.net

Christian Jung - Crédito: Álvaro Bonadiman/Palácio Piratini

Qual é a base do preconceito? Para o professor de psicologia da Unochapecó Murilo Cavagnoli, a ideia de que o ideal é ser heterossexual vem de discursos historicamente produzidos:

"Dá para entender o preconceito como um plano de significados que é compartilhado dentro de uma cultura que começa a definir quais as identidades adequadas, quais as inadequadas e que, por fim, acaba fazendo com que esse significado seja também uma forma de atribuir sentido à existência de quem destoa daquilo que é considerado normal. Então, o preconceito está muito associado a uma ideia de que a natureza é binária. São homens que têm de estar com mulheres e mulheres que têm de estar com homens, e que o sexo seria a base das relações afetivas, quando na verdade, não é."

Dia desses, reproduzi em vídeo, publicado no Instagram, um artigo da psicóloga Diana Corso que falava sobre natureza binária. E em certo trecho dizia assim:

"Desde nossa certidão de nascimento até o atestado de óbito, vai ser preciso marcar com um 'X' o sexo ao qual pertencemos. Aferrando-nos a essa divisão binária porque duvidar cansa, dá medo. Estudando história, descobrimos como as certezas científicas e morais sobre as características do homem e da mulher podiam virar até o oposto do que se acreditava antes. Comicamente, continuaram sendo apresentadas como verdades eternas, naturais e universais."

Vejam como é complexo e interminável esse assunto. Provavelmente venhamos a conviver com esse tema para o resto da vida. Até porque estamos lidando com a tolerância. A nossa e dos outros. Tolerância que se define como o ato de agir com condescendência e aceitação perante algo que não se quer ou que não se pode impedir. E como vamos regular o ímpeto tolerante do ser humano se sabemos o quanto vivemos em uma sociedade doente. 

Da boca para fora o preconceito é algo que só existe da parte do outro. Mas sabemos que não é assim que funciona. No discurso do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, por exemplo, o que acabou sendo repercutido pelas mídias e imprensa de todo o País foi sua declaração em relação ao namorado. E sei quanto foi complicado para ele da primeira vez que veio a público falar sobre suas escolhas pessoais.

A declaração feita por uma autoridade pública que ocupa um cargo de relevância tende a ecoar por corredores difíceis de serem percorridos e alcança ouvidos que costumam se fechar para esse tema. Portanto, seria um fato a ser festejado por quem luta na causa da igualdade. Ainda assim, li em uma postagem na rede social que "ele é a personificação de gays brancos, privilegiados e que usufruem (ou usufruíram) de conquistas que não sustentam".  Veja, isso foi dito por alguém que também é gay. 

É tão complexo o ser humano e medíocre muitas vezes que mesmo quando encontra um igual - ou mais parecido com ele - que possa com certeza muito mais ajudar na causa do que prejudicar também exerce outro preconceito. O preconceito do preconceito!

Não teria o "gay branco privilegiado" os mesmos pensamentos de exclusão? Medos, desejos, reflexões de alguém que é homossexual, mas que por sua história e destino nasceu em uma família com condições financeiras e branca. Teria ele que ser pobre, preto ou algo diferente para se fazer verdadeiro no que sente?

Não é mais complicado, sendo ele um personagem político importante, vir a público dar uma declaração e ficar esperando a metralhadora social lhe colocar contra o paredão. Ter de abrir sua caixa de angústias e preferências para evitar  ser exposto a um julgamento cruel e insensível. Algo totalmente desnecessário se for analisar pelo lado de que cada um tem direito de ser e gostar do que quer, de quem quiser.

O preconceito vem de todos os lados! 

Se já não bastasse os que se acham diferentes e perfeitos e não aceitam outra orientação sexual ainda é preciso conviver com os comentários negativos dos que são iguais, mas não o aceitam como você é ou quem você representa.

Há quem se irrite também com o "todes", por exemplo. Como se estivesse sendo forçado a aceitar algo que não admite. Tudo bem... você não tem preconceito, mas só não quer que inventem uma palavra nova no dicionário que na gramática por regra não existe. Por outro lado, comenta: essa gente tá sempre inventando essas coisas. 

Que bobagem! 

Não estamos falando de mudança de regras. Estamos falando de simbologia e de representatividade. Quando alguém pronuncia por vontade própria esse pronome inexistente não significa que esteja subvertendo a língua portuguesa. Simplesmente, está dando visibilidade para quem muitas vezes parece transparente. Ser visto, reconhecido, respeitado? essa é a luta!

E tudo pode ser resolvido de maneira bem simples. Se não lhe parece bom o "todes", faça como o professor de cerimonial Manoel Veraz:

"Bom dia a todos, sem distinção de gênero!"

Pronto, resolvido o seu problema.

Seja aberto a entender os que lutam pelos seus direitos. Não se apegue ao ranço de apontar tudo como um enfrentamento ou coisa de esquerda, porque com certeza não o é. Neste momento, trabalho em um governo de centro-direita onde os gays e trans usam o "todes" e não encaram isso como política partidária ou porque querem transgredir. Não subiram a rampa do Palácio, mas se viram lá. Querem ser como os ditos binários! Só existirem e não serem apontados!

Se quisermos igualdade, teremos de ir muito além das nossas limitações. Teremos de nos colocar verdadeiramente no lugar do outro. Em lugar de só consumir livros e conceitos de boa Comunicação, praticá-la. Até porque nunca se sabe o dia de amanhã e o que hoje você vê como intolerável amanhã pode nascer dentro da sua própria casa.

Sejamos felizes. Se lutamos por equidade, que não seja só pelo direito da pessoa surda, da pessoa deficiente, dos cegos, dos cadeirantes, que também precisam muito, mas procuremos ser por todas as formas de igualdade de direitos. Inclusive as de gênero. Porque a única coisa que nos faz iguais é quando exercemos o significado do verbo amar.

Ainda assim, se for muito complicado de entender isso, escreva bem grande no espelho do banheiro: tolerância! E acorde todos os dias lembrando que precisamos praticá-la!

Christian Jung é publicitário, locutor e mestre de cerimônias.

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