O que (já) podemos aprender com a crise da vinicultura gaúcha

Por Laura Glüer, para Coletiva.net

Há alguns dias, o RS e o Brasil inteiro acompanham, com revolta, a situação degradante de trabalho análogo à escravidão ocorrida na cidade de Bento Gonçalves. Do ponto de vista da gestão de crise, o segmento, a região e inclusive outras cadeias produtivas têm muito a aprender com essa situação. 

O conceito de crise como uma situação que surge quando algo feito pela organização - ou deixado de fazer - ou de sua responsabilidade - que afeta ou poderá afetar interesses de públicos relacionados à empresa e com repercussão negativa junto à opinião pública, desenvolvido pelo autor Roberto de Castro Neves, traz elementos importantes para compreender tudo que está acontecendo.

Destacamos a noção de responsabilidade. Uma situação que acontece com uma empresa terceirizada, ligada ao negócio de forma tão direta - no fornecimento de mão-de-obra - é, sim, de responsabilidade da empresa. Não é possível empurrar o problema para o outro. A presunção de imunidade é um dos grandes equívocos que se pode cometer numa crise e alguns posicionamentos oficiais vistos em relação ao ocorrido, até o momento, têm pecado neste sentido.

Outro aspecto importante é que, no desenrolar dos fatos, tem sido possível perceber que a crise passou a ser setorial e regional. Envolve também outras marcas concorrentes (mesmo não citadas), fornecedores, o município, as entidades e o trade turístico da região dos vinhedos. E todos esses agentes precisam agora se mobilizar para revertê-la, não adotando a falsa estratégia de descolar do ocorrido ou de encontrar culpados externos. É preciso mostrar ações concretas na contingência real do problema. 

Agilidade e transparência são pontos fundamentais em qualquer crise. E aqui não é diferente. Como um "travesseiro de penas", muitos novos elementos ainda podem aparecer ao longo das investigações, pois, como sabemos, lamentavelmente, esse não é um fato isolado. Novas crises poderão surgir junto a esse eixo central e por isso é tão importante um pacto de união na solução dos problemas, punindo aqueles que devem ser punidos de forma exemplar, e se comprometendo a não repetir os mesmos erros, como única forma de resguardar a credibilidade e a reputação.

Já vimos discursos desastrosos nos últimos dias, por parte de diferentes atores, envolvidos direta ou indiretamente nos fatos. Discursos que não levaram em consideração o contexto e o mundo interconectado em que se vive e que, em alguns casos, parecem traduzir pensamentos que habitam o imaginário da região. Mas sempre é tempo de desconstruir velhos conceitos e acertar o passo. O tribunal das redes é feroz e não perdoa. Toda cautela nos posicionamentos é fundamental nessa hora.

Por fim, é importante destacar que em toda crise de imagem há oportunidade de crescimento e melhorias. A região gaúcha dos vinhedos, conhecida por suas belas paisagens e acolhedores recantos, e sua indústria, que se orgulha de seus rótulos premiados internacionalmente, terá de fazer um grande esforço para vencer esse momento dramático, por meio de ações concretas e destacando as boas práticas que devem existir. E quando isso acontecer poderá sair fortalecida e com aprendizados importantes. 

Laura Glüer é jornalista e doutora em Comunicação.

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