Quantas mulheres somos e temos ao longo da vida?

Por Tássia Jaeger, para Coletiva.net

De tempos em tempos, escrevo sobre quem sou - e, consequentemente, sobre quem deixei de ser. A última vez foi aos 30, se não me falha a memória. Agora, cinco anos se passaram - muitas experiências novas (nem sempre boas) e novas formas de enxergar e perceber as coisas. E é sobre isso, sobre esta nova mulher que se formou, que vou falar aqui. Porque acredito que, assim como eu, muitas mulheres mudam. E acho isso bom, afinal, o que seria de nós seres humanos se não amadurecemos e evoluíssemos, não é mesmo? 

Aproveitando o ensejo, desculpem-me os homens, mas preciso dizer que, infelizmente, ainda vejo muitos que pararam no tempo, alguns aos 12, outros aos 17, outros nem tem a ver com a idade, mas sim com a total falta de humanidade, vide alguns governantes que nem preciso mencionar os nomes, maridos infiéis e violentos, líderes assediadores - e a lista segue e seria enorme, então paro por aqui. Importante: não generalizo em nada, portanto, não aponto o dedo para todos os homens e nem inocento e protejo todas as mulheres, porque sei quantas por aí também pararam no tempo - e aqui prefiro não comentar as características femininas que não me representam, porque isso dá outro artigo e seria polêmico (e estou evitando polêmicas faz tempo, logo explico porquê). Entretanto, felizmente, temos visto um crescente de bons exemplos femininos assumindo as rédeas das suas vidas, comunidades e países. Esses me representem, orgulham-me! 

Mas voltemos a mim, às mudanças que a vida gerou em quem sou e às experiências que levaram a isso. Lembrando que amadurecer pode ser doloroso... Primeira delas então. Eu costumava ser um livro aberto. Não tinha vergonha de contar e assumir minhas dores, angústias, fraquezas, frustrações e vulnerabilidades. Achava que isso me tornava humana e mostrava para os que me cercavam - em especial mulheres - que não existe vida perfeita, e que tudo bem fraquejar e fracassar, desde que sempre me lembrasse de respirar fundo, erguer a cabeça e seguir em frente. Dividir sofrimentos, ao meu ver, tira essa ilusão de felicidade obrigatória que insistem em nos vender. Aí percebi que a confiança que eu depositava nas pessoas nem sempre era recíproca, não tinha troca, e nem era isenta de julgamentos. Algumas mulheres não se abrem, não se expõem, nem mesmo entre amigas, e isso cria um abismo. A gente passa a achar que só nós temos problemas. Isso não ajuda a nos fortalecermos como mulheres. Então preferi me fechar do que ser a única a compartilhar feridas e cicatrizes. Vamos à vida de Instagram, que só o lado bom seja compartilhado e sigamos perpetuando a vida de margarina que não contribui em nada, a não ser com o entretenimento digital. Tornei-me a mulher que só se abre para quem se abre para mim. 

Eu costumava me posicionar. Sobre política, bandeiras, religião, economia, cultura, assuntos polêmicos em geral. Até que vi que o respeito é utopia. Se eu pensar diferente do meio em que me encontro, sou a errada, e não apenas a que pensa diferente. Existia um padrão que eu tinha que seguir como mulher, jornalista, etc. E eu nunca fui a "Maria vai com as outras", sempre me permiti ter minhas opiniões e mudar se convencida ou preciso. Aprendi a calar para não me tornar o tipo de pessoa que não gosto de conviver, a intolerante, que não escuta e quer enfiar sua visão de mundo goela abaixo, como se ela fosse a dona de toda a verdade do mundo. Não acho que posicionamentos valham mais que relações. Mas muitas amigas e mulheres próximas, lamentavelmente, acham, então priorizo elas e me calo - não sei se fariam o mesmo. Já me senti ofendida muitas vezes sem ofender de volta. Tornei-me a mulher que se posiciona na urna, nas atitudes e comportamentos diários e nos meus valores, sem polemizar e debater mais. 

Eu costumava gostar de casa cheia, festas e mais festas, muitos amigos, fim de semana sem sossego e nem programação estabelecida. Gostava do que chamava de viver a vida intensamente, sendo alegre apesar dos pesares. Daí que comecei a me irritar com a falta de individualidade, espaço, liberdade, noção. Sabe aquela história de dar a mão e quererem o braço? As pessoas, em especial mulheres com quem eu convivia, simplesmente não respeitavam os limites que sempre respeitei, sejam espaciais ou de opinião. Foi assim que passei a dar um valor inestimável para o silêncio, para a tranquilidade, para a solitude, para a privacidade. Hoje não consigo ficar em lugar com muita bagunça ou gente por muito tempo, exceto se for um show, uma festa, algo com esse propósito, com hora para chegar e sair. Na minha casa, só visitas selecionadas a dedo, que gostem de cachorro, que se sintam em casa, mas lembrem que não estão, que não precisem gritar para falar e nem colocar a TV e o som no volume máximo para se entreter, que não opinem na decoração da casa e nem no meu guarda-roupas, que perguntem se preciso de ajuda ou opinião antes de saírem dando pitaco, que ao menos se ofereçam para limpar o que ajudaram a sujar. Cansei do caos. Tornei-me a mulher que só quer sossego. 

Tornei-me a mulher que escuta, mesmo quando quer falar - mas que cansou de não ser ouvida. A que diz que está tudo bem, mesmo que não esteja - porque sabe que quem pergunta nem sempre quer saber a verdade, ou perguntou só por educação. A que tolera e concorda, mesmo discordando - para não se desgastar ainda mais. A que respeita, mesmo quando é desrespeitada - porque não paga na mesma moeda. A que não invade o espaço do outro, mesmo quando é invadida - porque conhece limites. A que não dá opinião, mesmo quando dão sem que peça - porque sabe o significado da palavra desagradável. 

Eis aqui a mulher que calejou e mudou de novo. Mais forte? Talvez. Mais cansada? Com certeza. Ser forte e cansar. Cansar e ser forte. Esta é a dupla de palavras que mais acompanha as mulheres. Estamos sempre nos reinventando a partir dos calos da vida. As frustrações e decepções nos transformam em verdadeiras fortalezas. Sei que parece um artigo pessimista, mas não, é realista - um texto para mostrar a força feminina. A de algumas mulheres, porque também não sou hipócrita a ponto de dizer que todas as mulheres são incríveis, desculpe a sinceridade. É um desabafo sincero para mostrar que somos fortes porque, no fim das contas, mesmo com tanta união e sororidade crescendo, ainda lutamos sozinhas na maioria dos casos. Esperamos acolhimento, afeto, cuidado, escuta sincera - e não protocolar. Mas as mulheres ainda precisam aprender sobre serem umas pelas outras de fato. Opinião minha, baseada em minhas experiências, claro, mas ainda estamos longe do verdadeiro sentido de "juntas". Suas melhores amigas, irmãs ou mãe estão ocupadas com os problemas e alegrias delas também; a famosa rede de apoio, muitas vezes, não passa de um grupo no WhatsApp; e aí que você precisa cair e levantar sozinha, aprender com a vida, e as demais mulheres ao seu redor acabam sendo seu querido diário apenas, o que não é de todo ruim, convenhamos; é necessário, terapêutico. Será que estamos preparadas para essa conversa? 

Enfim, nós, mulheres, somos fortes porque mesmo contando umas com as outras para desabafar, lutamos sozinhas diariamente, e nos adaptamos, resistimos, sofremos e sorrimos. A cada fase aprendemos com as mulheres que fomos e somos. Transformarmos-nos ao longo da vida, quantas vezes forem necessárias, porque somos a menina, a adolescente e a mulher, num ciclo sem fim. Mas meu desejo sincero ainda é que, sim, sejamos várias mulheres ao longo da vida, mas que também tenhamos muito mais umas às outras.

Tássia Jaeger é CEO da W[Right] Conteúdo, coordenadora Editorial das revistas do selo Tendências (de Coletiva.net) e analista de Comunicação do BWG.

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