Tirem os padrões de perto de mim

Por Márcia Christofoli, para Coletiva.net, em especial de Semana da Mulher

Para falar sobre algo que eu amo fazer, quero voltar um pouco no tempo e contextualizar como isso surgiu na minha vida. Sempre fui uma "menina rebelde" se considerarmos o estereótipo antigo das princesinhas normalmente vestidas de rosa. É verdade que meus pais tentaram me incentivar a fazer ballet, mas graças a uma criação sem rótulos (obrigada, mãe!) não tive muita insistência deles para seguir nessa dança. Eu queria algo mais movimentado, mais intenso, mais explosivo. Aliás, uma preferência bastante esperada para quem foi diagnosticada bem cedo com o famoso Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

No início da adolescência, passei a ser apresentada aos múltiplos esportes. Desprovida de altura, o basquete foi riscado rapidamente da lista de possibilidades, assim como o vôlei - esse eu cheguei a insistir por um tempo, mas a falta de habilidade me fez decidir que também não era pra mim. Qualquer alternativa que envolvesse água não me seduzia, tampouco algo solitário, meu negócio eram os esportes coletivos, isso já estava claro, então, a natação ficou de fora. Veio o handebol. Gostei, afinal, era movimentado e em equipe. Veio o futebol. Opa! Tinha essas mesmas características, mas não precisava usar as mãos (nota-se que eu jamais seria goleira).

Acho que eu tinha por volta de 12 anos quando isso aconteceu e, desde então, começaram a surgir diferentes oportunidades para jogar bola. Nas aulas de Educação Física, nas iniciativas como Gincana e Olimpíadas escolares, e, acreditem, até no grupo de jovens da Igreja Católica. Então, eu sempre tinha um time de futebol nas escolas, fosse em horário normal, ou nas atividades extras proporcionadas no contraturno, e também onde passava meus finais de semana. Da adolescência para fase adulta, não faltavam convites para me juntar a outros times - incluindo aqueles "a amiga da minha prima me convidou", "a cunhada da minha melhor amiga me convidou", "a filha de uma amiga da minha mãe me convidou". E assim vieram, inclusive, campeonatos disputados em diferentes cenários.

Com a rotina de estudar, trabalhar, frequentar festas, namorar e etc, o futebol foi saindo de cena, mas nunca do coração. Vez ou outra pintava um jogo só para tirar o mofo. Já casada e morando em condomínio, até surgiu um time de vizinhas. É verdade que me machuquei algumas vezes, mas nada me fazia desistir por definitivo. Há quase 10 anos, ele voltou com força. Um convite despretensioso de alguém com quem eu já havia jogado surgiu. Como ela já tinha adotado a prática como compromisso sagrado, me carregar junto foi uma missão que, assim como sair do ballet, não precisou de muita insistência. De lá pra cá, a vida futebolística voltou a ser intensa.

Sugiram "obstáculos" para que eu seguisse jogando bola? Claro que sim. Vários. Uma fratura cirúrgica, sequência de eventos profissionais, uma gravidez, a pandemia. E sabem o que eu continuo fazendo até hoje, pelo menos uma vez por semana? Sim, meu compromisso sagrado com o futebol. É só ele que me tira de casa mesmo com chuva, ou com frio intenso, ou depois de um dia de trabalho exaustivo. Não, não é minha terapia, essa eu também faço há muitos anos. É apenas uma atividade, entre tantas e tantas outras que a vida exige, que faz meu coração bater bem forte.

A propósito, é bom deixar claro que, apesar de gremista convicta, apesar de gostar muito de assistir a jogos - no estádio ou na tv, não importa, apesar de praticar o esporte há mais de 25 anos, eu não discuto futebol, não entendo de esquema tático, não sei o nome de todos os jogadores que passaram pelo meu time e não entro em corneta de quem é melhor ou pior. Aliás, também se faz necessário dizer que eu não chego nem perto daquela mulherada que joga um bolão, ou seja, paixão é bem diferente de habilidade e dom para jogar.

Tudo isso, pra quem chegou até aqui no texto, para mostrar que, assim como todas as mulheres da minha equipe, eu sou mais do que uma jornalista, uma publisher, uma esposa, uma filha, uma mãe, uma amiga, uma madrinha. Sou uma mulher apaixonada por futebol, que a vida toda ouviu piadas sobre isso, que foi comparada com homens que gostam menos do esporte, que, ao ser vista "fardada", encarou olhares curiosos, julgadores ou surpresos. Gente, se meus pais, que são de uma criação bem mais machista que a nossa, nunca me rotularam ou impediram de seguir o que sempre gostei, não seriam outros preconceituosos que me colocariam dentro de padrões idiotas, estabelecidos por idiotas e perseverado por idiotas.

Márcia Christofoli é jornalista e diretora de Coletiva.net

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