Uma amizade antiga

Por Sarah Acosta, para Coletiva.net, em especial de Semana da Mulher

Há um tempo, em um ambiente predominantemente masculino, ouvi um conhecido da família contando sobre como servir ao exército era melhor na época dele. "Eu dava mais de 200 tiros por dia em treinamento", gabou-se. Enquanto outros compartilhavam suas experiências militares, achei por bem quebrar o gelo: "Isso não é nada, eu dou muito mais de 200 tiros por dia hoje... Só no videogame!"

E isso foi o suficiente para mudar o assunto e gerar um pequeno pandemônio. Não é como se eu não fosse acostumada a lidar com olhares confusos ou até de desdém. Enquanto alguns apontam que talvez eu não tenha mais idade - 24 anos, a título de curiosidade -, outros não disfarçam que o meu gênero é o problema.

Além do teste a minha paciência, esses comentários pouco me incomodam. Minha boa relação com os games surge nas lembranças mais antigas que consigo acessar e isso não é algo que pode ser contestado com tanta facilidade.

Entre os quatro e cinco anos de idade, vezes ou outra, um primo deixava que jogasse no seu Super Nintendo. Jogava de verdade, não com o fio do controle desconectado - comportamento comum dos primos e irmãos mais velhos para com os mais novos, bem antes do advento dos controles sem fio. Super Mario World e Animaniacs entram para a lista dos que não consigo esquecer, mesmo tendo ficado sempre empacada nas mesmas fases.

Mais tarde, comecei a pedir um console próprio e não consegui esconder a insatisfação quando fui presenteada com um PolyStation. Era um aparelho engraçado, no mínimo. Tinha a mesma carcaça do PlayStation 1, mas ao abrir a tampa, onde se deveria encaixar o CD, havia espaço para uma fita. E uma o acompanhava, com jogos igualmente engraçados. Era pouco o apelo em comparação aos títulos mais renomados.

Minha história com o PolyStation, que já não começou bem, não se prolongou muito. Aos 13 anos e um pouco acima do peso, barganhei um Xbox 360 com meu pai, jurando que perderia uns quilos no Just Dance - um jogo de dança que utiliza a tecnologia de sensor de movimentos para controlar a pontuação do jogador. Não foi uma total mentira, talvez eu tenha perdido alguns, mas admito que estava um pouco mais interessada em explorar as ruas da Itália e enfrentar alguns templários junto de Ezio Auditore, protagonista de três jogos da série Assassin's Creed.

Apesar do apelo emocional do Nintendo e das boas horas gastas com o console da Microsoft, atualmente estou dando uma chance à Sony, com o PlayStation 4. Que fique claro: reconheço as vantagens que se tem em jogar no computador, mas no uso do mouse e teclado sou uma negação. Além do mais, sinto-me muito mais confortável com um joystick na mão.

E, no final das contas, é sobre isso... Sobre aquilo que te deixa confortável em ser ou fazer. No meu caso, é sobre mergulhar em uma história de forma bem mais profunda do que um filme ou uma série pode proporcionar, sobre aprender junto com os meus personagens em suas jornadas. Seja para levar as cinzas da mãe do seu filho na montanha mais alta de Jotunheim e dar início ao Ragnarok no processo, ou para explorar, na forma de um gato, uma favela de robôs em um futuro pós-apocalíptico.

Sarah Acosta é jornalista e editora de Coletiva.net

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