Dez anos da Copa, dez anos sem copas

Por Fabio Berti, para o Coletiva.net

Neste sábado, dia 15 de junho de 2024, completam-se dez anos do início da Copa do Mundo da FIFA em Porto Alegre com os 3 a 0 da França sobre Honduras lá em 2014. Foram mais quatro jogos, com passagens dos finalistas Alemanha e Argentina pelo Beira-Rio. Nove seleções, 22 gols marcados, alguns entre os golaços do mundial. Grandes públicos, mobilizações de torcedores por toda a cidade, muito turismo, festas e pouquíssimos problemas. Uma cidade e um estado 'clipados' para milhões de espectadores em todo o planeta.

Essa é a minha perspectiva da Copa do Mundo em Porto Alegre. Tive a honra de contribuir para a organização enquanto Coordenador de Comunicação do Comitê Gestor no RS (CGCopa), interagindo com o Comitê Organizador Local (COL) e à FIFA nos três anos que antecederam o megaevento. O planejamento, entretanto, começou pelo menos cinco anos antes e contou com o envolvimento de muita gente, que represento no nome do então Secretário de Esporte e Lazer, Kalil Sehbe. Penso que o meu 'pós-doutorado informal' foi construído no convívio intenso com as equipes dessas instituições para criar um amplo, complexo e eficiente plano de comunicação e marketing. Pude acompanhar a estruturação das 12 cidades-sedes e, no Rio Grande do Sul, participar de um forte movimento comunitário em todas as regiões para receber as seleções no período de aclimatação e treinamento.

Mas será que essa impressão é a que ficou? E por quê nossa Capital não recebeu nenhum outro evento desse nível desde então? À época, falava-se muito em legado da Copa. Por haver uma política de fomento do então governo federal, apelidada de PAC da Copa, era possível que as sedes apresentassem projetos de infraestrutura para as cidades, incluindo obras de mobilidade que pudessem qualificar a logística sob pretexto de melhor receber turistas e preparar-se para um ciclo virtuoso. Porto Alegre, por motivos exaustivamente debatidos, recém concluiu algumas dessas obras viárias. Outras, inclusive, nem puderam sair do papel.

E justamente essa foi a escolha dos veículos de comunicação locais. Transformar um evento esportivo em instrumento de batalha política. A essa "verdade", nas teorias da comunicação, foi dado o nome de bem cultural, uma mercadoria a ser vendida em troca de audiência. Os célebres teóricos Adorno e Horkheimer cunharam a também célebre expressão "indústria cultural". Conforme o professor Édison Gastaldo, os produtos veiculados pela mídia utilizam linguagens e articulam significados a determinados referentes, criando representações que, ao serem veiculadas para a sociedade, tomada como "massa", ressaltam alguns significados, ocultam outros, incorporam significados correntes em alguns grupos e os ampliam para toda a sociedade, naturalizando representações sociais.

Evidentemente, não se trata de "passar pano" - como dizem por aí - para equívocos, eventual corrupção ou mesmo incompetência dos agentes públicos. Denunciar essas situações está na essência do fazer jornalístico. Aqui me refiro à livre opção por misturar as coisas ou trocar as bolas - com o perdão do trocadilho! Também não é minha intenção reavivar a reles discussão dos reducionistas: "preferiram construir estádios a hospitais". Essa base de debate é perfeitamente compreensível em um país que, infelizmente, segue com índices ainda muito baixos de educação formal entre sua população.

Em dez anos, também não tivemos grandes competições em nível internacional em nenhuma outra modalidade esportiva. Exceção talvez para o beach tennis, cuja estrutura é facilmente adaptável. Sobre a ausência de eventos esportivos, a imprensa local, estranhamente, silencia. Não cobra estrutura esportiva adequada, não cobra pela inexistência de equipes locais de voleibol, basquete, handebol, futsal, hoje modalidades altamente desenvolvidas no país. Dedica migalhas de seus espaços para esportes individuais como o judô, o atletismo, a natação, modalidades náuticas, entre outras, que só existem graças aos clubes recreativos que os mantêm e que possuem aqui grandes referências olímpicas.

É a indústria cultural da comunicação social gaúcha vendendo a verdade de que três ou quatro Grenais por ano valendo bananas e uns joguinhos de Libertadores da América fazem de Porto Alegre uma capital mundial do esporte. Em tempo: para não parecer desinformado, sei que seremos uma das sedes da Copa do Mundo da FIFA de futebol feminino em 2027. Que baita evento para o nosso país! Que baita impulso para o futebol das gurias! Pois então? Se não fosse a reforma do Beira-Rio para 2014, e a "correlata" construção da Arena, nem as grandes competições de futebol receberíamos mais.

Fabio Berti é jornalista, professor e doutor em Educação em Ciências pela Ufrgs

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