ESG e a Publicidade: as perguntas que ninguém quer fazer (mas precisa)

De Gab Besnos, para Coletiva.net

As agências de publicidade têm sido as responsáveis por criar narrativas que definem e transformam marcas. Elas prometem aos seus clientes soluções criativas capazes de comunicar valores, para além da venda de produtos. No entanto, quando se trata de seus próprios posicionamentos, muitas vezes essas agências se escondem atrás de slogans vazios, conceitos genéricos e promessas que evaporam ao fim da estação. Em tempos onde os princípios ESG (Ambiental, Social e Governança) mostram-se fundamentais, não é mais suficiente ser uma fábrica de tendências passageiras: é preciso adotar uma postura firme e consistente, começando por dentro.

A adoção de uma agenda de responsabilidade socioambiental tem que ir além do "greenwashing". Há muitas perguntas que podemos fazer para começar a montar um roteiro dessa transformação. Algumas incômodas. Eu começo: a publicidade das bets e o mercado de influência devem ser mais regulados, assim como o do tabaco? Estamos prontos para responsabilizar os clientes pelas suas práticas socioambientais? Quando vamos começar a fazer auditorias na cadeia de fornecedores para garantir a dignidade no trabalho? E, mais ainda: quantas agências estão dispostas a considerar a pegada de carbono de suas campanhas fantasmas, criadas apenas para ganhar prêmios?

A lista continua: será que estamos prontos para desestereotipar campanhas e lutar por uma publicidade mais sensível às questões de diversidade e epresentatividade? Vamos parar de tratar a diversidade como uma "moda" e entendê-la como um pilar estratégico? E, o mais importante, vamos construir um ambiente de trabalho em que haja, por exemplo, canais de denúncias anônimos para combater o assédio, batalhar pela promoção de salários dignos em toda a cadeia de fornecedores e apoiar a saúde mental e física dos trabalhadores da indústria criativa?

A descarbonização do mercado publicitário precisa passar por uma revisão séria da necessidade do presencial compulsório, por exemplo. Incentivar o home office é uma estratégia concreta de sustentabilidade, que ajuda a diminuir as emissões de carbono geradas pelos deslocamentos diários entre casa e trabalho. No entanto, muitas agências ainda acreditam, equivocadamente, que cultura organizacional depende de todos estarem fisicamente no escritório, todos os dias. Esse ensamento é retrógrado e revela uma fragilidade estrutural: quem exige o presencial a qualquer custo talvez esteja tentando compensar uma cultura organizacional fraca, que não sobrevive sem vigilância constante.

Cultura forte se constrói com valores, rituais, narrativas e a conexão genuína entre as pessoas, e não com cadeiras ocupadas. Exigir o retorno ao escritório, ignorando o impacto na qualidade de vida dos trabalhadores, é sinal de que a empresa não se garante - nem em governança, nem em cultura.

As agências, que deveriam ser especialistas em criar histórias, parecem esquecer de contar a sua própria. Ficam presas a seus nomes exóticos, suas "sopas de letrinhas" e naquela promessa vazia de "estar na vanguarda". Mas o que significa estar na vanguarda? Seguir a última tendência ou liderar pela essência, pelo exemplo? Quem são as agências pequenas e quem são as gigantes nesse aspecto, que vai além do volume de investimento em mídia agenciado no ano?

Na grande enchente de maio no Rio Grande do Sul, tivemos 15% de nossa equipe atingida diretamente na Bistrô, agência de que sou CEO. Um horror sem precedentes, que nos dedicamos de todas as maneiras para mitigar, com suporte direto aos nossos trabalhadores.

A experiência trágica nos inspirou a ir além em nossos esforços, reforçando uma jornada de compromisso socioambiental que iniciamos já há muitos anos, de forma bastante pioneira (especialmente no que diz respeito à pauta da diversidade e inclusão).

Não dá mais para adiar a responsabilidade pelo planeta e pelas pessoas. Na Bistrô, estamos prontos para dar um passo adiante, e em breve vamos apresentar ao mercado um novo posicionamento, que de certa forma convida a todos para que se juntem na construção coletiva de um futuro mais sustentável, ético e inclusivo. A publicidade pode ser parte da solução, e as agências devem liderar pelo exemplo, construindo narrativas que conectem propósito e impacto concreto.

Gab Besnos é CEO e VP de Criação da Agência Bistrô. 

 

Comments