Paulino de Azurenha: Da infância pobre ao cronista famoso

Por Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, para Coletiva.net

Nascido em 25 de maio de 1861, em Porto Alegre, José Paulino de Azurenha faz parte da galeria dos grandes nomes da história do jornalismo gaúcho. Em sua trajetória, destacou-se como jornalista, cronista, poeta e romancista. O escritor e pesquisador Ari Martins, em sua conhecida obra 'Escritores do Rio Grande do Sul' (1978), registra apenas o nome da mãe do nosso cronista: Paula Maria da Conceição.

De origem bastante humilde e negro, após ter sido alfabetizado, Paulino Azurenha aprendeu o ofício de tipógrafo, visando a garantir o seu sustento. No desempenho de suas atividades, a inteligência, o talento e a dedicação lhe possibilitaram adentrar nos caminhos da literatura e do jornalismo. 

Já em meados de 1892, substituía os caixotins - cada um dos compartimentos da caixa tipográfica - pela mesa de escritor. Ao ingressar no Jornal do Commercio (1864-1911), Paulino de Azurenha conheceu dois ícones da nossa imprensa: o escritor Aquiles Porto Alegre (1848-1926) e o empresário e poeta Caldas Júnior (1868-1913). Neste jornal, ele começou a publicar artigos num período anterior a 1895.

Em 1º de outubro de 1895, Caldas Júnior fundou o seu próprio jornal, dando-lhe o nome de Correio do Povo, cujo objetivo - como registrou no editorial do primeiro número, era fazer um jornalismo informativo ao invés do político-partidário, que então dominava o cenário da nossa imprensa. O Correio do Povo é considerado o mais antigo jornal ainda em circulação na capital dos gaúchos. Neste periódico, Paulino de Azurenha passou a fazer parte da redação permanecendo ali até a sua morte. Equilibrado e dono de uma reputação ilibada, era uma conselheiro a quem todos recorriam nos momentos difíceis.  

Católico fervoroso e o monarquista assumido, nosso jornalista era muito modesto quanto aos acenos da glória e vivia imerso em suas atividades cotidianas. Assinando com o pseudônimo de Léo Pardo, ele escreveu, a partir de 1900, no Correio do Povo, crônicas publicadas aos domingos na sessão cujo nome era Semanário. Estas foram reunidas, mais tarde, em 1926, no livro Semanário de Léo Pardo, que foi publicado pela Editora Globo de Porto Alegre. Estas crônicas, segundo o jornalista e escritor Itálico Marcon, foram escritas no período de 8 de julho de 1905 a 19 de junho de 1909. Nosso cronista usava também o pseudônimo de P. de Ascyro, conforme se constata em poesias assinadas por ele na Revista Literária (1881). 

Paulino de Azurenha, em sua trajetória, pelo universo das letras, legou-nos dezenas de poemas parnasianos com laivos de lirismo romântico. Em 1881, com Aurélio de Bittencourt (1849-1919) - outro nome importante do cenário cultural da época, ajudou a fundar a Revista Literária. Esta publicação, além da coleção do jornal Correio do Povo, faz parte do acervo do MuseCom.

Como cronista, ele merece, especialmente, um destaque tendo sido considerado por João Pinto da Silva (1889-1950) "o nosso melhor cronista literário" do período que se iniciou em 1900. Esta opinião era também compartilhada pelo importante poeta Zeferino Brazil (1870 -1942). 

Se o Rio de Janeiro, no gênero da crônica, orgulha-se dos ícones João do Rio (1881-1921) e Lima Barreto (1881-1922) - ambos afrodescendentes e autores contemporâneos ao nosso cronista, a figura de Paulino Azurenha, no Rio Grande do Sul, constitui-se num grande expoente. Autodidata, ele dominava com propriedade singular o vernáculo e escrevia com fluidez e elegância, deixando muitos acadêmicos surpresos com a qualidade da sua escrita.

Em 1897, em parceria com José Carlos de Souza Lobo (1875-1935) e Mário Totta (1874-1947), foi lançado, pela Livraria Americana, o romance 'Es-tricnina', que traz por subtítulo "página romântica". A obra se trata de uma pequena novela, sendo um misto de crônica e de noticiário policial à moda antiga, conforme destacou o escritor e historiador Guilhermino César (1908-1993): "Trechos que fotografam o meio portoalegrense, os hábitos da vida noturna, os mexericos de rua, os bairros à margem do Guaíba". 

No dia 2 de julho de 1909, em pleno vigor de sua atividade profissional, Paulino Azurenha se encontrava na companhia dos colegas jornalistas Fábio de Barros (1881-1952) e Alcides Gonzaga (1889-1970) quando sofreu  uma apoplexia (hemorragia cerebral). Levado já quase sem vida para a sua residência, ele veio a falecer no dia seguinte cercado de amigos e familiares.

De acordo com o Almanaque do Correio do Povo de 1960, na página 48, nosso cronista faleceu aos 49 anos. Viúvo havia nove anos, sua vida era voltada às suas cinco filhas ainda menores. Com a notícia do seu óbito, houve, em nossa Capital, uma grande consternação por parte de seu público leitor e dos amigos.

Assim escreveu Caldas Júnior sobre a figura de Paulino de Azurenha: "Foi sempre um relevante elemento de valia na fundação e no desenvolvimento do Correio do Povo. Tinha êle para esta fôlha um amor verdadeiramente paternal, motivo por que, pela sua competência, todos nesta casa o contavam como um sincero consultor e conselheiro". 

Em Porto Alegre, no bairro Partenon, a Rua Paulino de Azurenha é uma homenagem ao nosso ilustre cronista, poeta e romancista, que também é patrono da cadeira 31 da Academia Rio-Grandense de Letras (1901), cujo titular, atualmente, é Ruben Daniel Méndez Castiglioni. 

Em sua época, nosso cronista foi um exemplo de luta e superação do preconceito.  Pobreza e invisibilidade social foram resultados de 400 anos de escravidão e de uma abolição inconclusa, conforme registrou em seu livro Brasil Inconcluso (1986), o historiador Décio Freitas (1922-2004). Ao negro foi concedida a liberdade, mas não a cidadania plena.  

O 13 de maio ofereceu a "porta da rua" e não a inserção social. Ainda assim, vivemos, no Brasil, o mito da chamada Democracia Racial, embora existam pesquisas sérias com dados estatísticos a exemplo do IBGE, comprovando que estamos diante de uma falácia histórica. Esta reparação de quatro séculos de escravidão se dá por meio de políticas afirmativas priorizando a educação como uma das principais ferramentas para desenvolver a consciência cidadã. Que o jornalista Paulino Azurenha, entre tantos outros exemplos de superação, possa nos inspirar na construção uma sociedade mais igualitária e menos excludente.                                

Por Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite é pesquisador e coordenador do setor de Imprensa do MuseCom.

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