Boate Kiss: em nove anos, jornalistas mudaram de área, mas permaneceram na pauta

Conheça repórteres que cobriram a tragédia em 2013 por veículos e, hoje, estão no caso como assessoras de Comunicação

Roberta Salinet, Carolina Carvalho e Patrícia Cavalheiro - Crédito: Divulgação

Do outro lado do balcão: em quase nove anos, alguns jornalistas que cobriram a tragédia da Boate Kiss, em janeiro de 2013, estão de volta à pauta, mas atuando em assessorias. É o caso de Carolina Carvalho, Patrícia Cavalheiro e Roberta Salinet, respectivamente na Comunicação do escritório Cipriani, Seligman de Menezes e Puerari Advogados, defesa de Mauro Hoffmann, um dos réus; Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; e Ministério Público do Estado. 

Coletiva.net e Coletiva.rádio conversaram com elas para saber como foi integrar a cobertura dos veículos onde trabalhavam quando do incêndio e, hoje, participarem do desfecho da história representando agentes do processo. O momento representa, além de novas fases profissionais, reencontrar colegas e, principalmente, reviver momentos tão intensos daquela época são alguns dos aspectos apontados por elas.

Conheça a trajetória de cada uma na pauta do caso da Kiss:

Carolina Carvalho - escritório Cipriani, Seligman de Menezes e Puerari Advogados, defesa de Mauro Hoffmann

Como foi:

Quando aconteceu o incêndio, eu era editora de Variedades do Diário de Santa Maria há seis meses, e estava de plantão naquela noite. Fui acordada na madrugada por um repórter dizendo "pegou fogo na Kiss e isso aqui parece o 11 de setembro". Fiz algumas ligações e, pela imagem que o nosso fotógrafo havia feito, já apareciam cerca de 10 mortos, o que me deixou bastante impactada. Naquela mesma noite, voltei a ser editora de Geral e cuidei especificamente do Núcleo de Investigação

Como é:

Deixei o jornal em 2020, quando surgiu a oportunidade de trabalhar com o escritório Cipriani, Seligman de Menezes e Puerari Advogados, mas não pensava nesse caso. O júri foi marcado e me dei conta que eu estaria novamente envolvida nessa história que atravessa a minha vida e a minha carreira. Entendi que era um desafio profissional participar do desfecho, em outra posição que eu entendo tão relevante, pois o papel da Comunicação nesse momento é fundamental e estratégico. 

Depois de 16 anos dedicados a veículos - sendo 14 no Diário de Santa Maria e mais dois no extinto A Razão, foi uma mudança grande, não apenas de rotina produtiva, mas por conseguir trazer um olhar menos carregado de certezas e de julgamentos para as pessoas envolvidas nesse processo. 

O que representa

É desafiador reviver todos aqueles momentos, quando trabalhamos sete, oito dias sem ir pra casa, sem dormir direito. Lembrar disso tudo é muito intenso e doloroso. Por outro lado, vejo como uma oportunidade sem precedentes na carreira, cobrir e estar envolvido em um evento como esse, no qual torcemos imensamente para que não volte a acontecer, que não precisemos nunca mais cobrir algo assim ou estar num júri como esse.

O mais importante é a gente trabalhar sempre a favor da informação, independentemente do lado do balcão em que estejamos, para oferecer o melhor acesso a esta informação ao público.

Patrícia Cavalheiro - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Como foi:

Cheguei em Santa Maria no domingo, achando que seriam dois ou três dias, e acabei ficando quase um mês. Além de mais longa do que imaginamos, a cobertura foi bastante traumática. Tudo lá nos dizia que seria algo muito marcante na vida das pessoas, inclusive dos jornalistas - tanto os que lá estavam, quanto os que estão chegando hoje. É sempre muito impactante. Aguardamos esse tempo todo para ver o desfecho. 

Como é:

Já tem seis anos que eu saí da RBS, depois de 21 como repórter, e estou no TJRS desde então. Acompanhei todos os trâmites até que se chegasse nesse grande júri, que tem cerca de 200 profissionais de imprensa credenciados. É um prazer ajudar os colegas de um outro lado. Então, para todos que estivemos lá, o caso terá um início e um fim de tudo aqui que acompanhamos. 

Nos preparamos de maneira racional, pois tinha que dar certo esse júri. São centenas de servidores envolvidos, e o jornalismo tentando abastecer todo mundo, para que fiquem confortáveis, que compreendam o que está acontecendo. 

O que representa:

É muito bom poder reencontrar tantas pessoas que estavam lá, do nosso lado, podendo abraçar, pois todo mundo se ajudou muito na época. Foram momentos de muito desgaste físico, bastante trabalho e emocional frágil. Não é fácil para ninguém reviver tudo, ouvindo as pessoas falar, vendo fotos e vídeos, toca profundamente. Agora que tenho um filho, que vai fazer oito anos, é ainda mais chocante, mas seguimos com um passo de cada vez.

Roberta Salinet - Ministério Público do Rio Grande do Sul

Como foi:

Estava em Capão da Canoa, fui acordada muito cedo da manhã e percebi a gravidade da situação. Pelos relatos iniciais, sabíamos de 15, 20 óbitos. Decidi vir para Porto Alegre e, no caminho, o número foi aumentando, e quanto mais aumentava, mais eu tinha pressa de chegar na redação. Lembro que estava tão angustiada para chegar em Santa Maria, que, em casa, só peguei uma calça jeans. Na mala, essa peça, um sapato e o resto de roupas de praia. Fui para ficar dois dias e fiquei 15. Tive muitos problemas para dormir. 

Cheguei e fui direto para o ginásio, onde se via aquele cenário que vocês conhecem, também acompanhei a preparação dos cemitérios, abrindo muitas covas, essas cenas me marcaram demais. Durante todo aquele tempo, tomei muito chá de camomila, pois não queria tomar remédios em função de estar trabalhando. Lembro também que, em seguida, pedi para ser retirada da cobertura de Carnaval, pois não teria nenhuma condição. Demorei muitos meses pra ter um sono normalizado, para tirar algumas imagens da cabeça foram anos.

Como é:

Em 2017, quando saí da RBS TV para ir pro MP, sabia que teria esse júri pela frente. Conheci um lado novo, onde pude me aprofundar, e tem sido um grande aprendizado a convivência com a minha equipe de Comunicação, que conhece bastante da atuação do MP no caso. Também passei a me apropriar do inquérito, li as peças que estavam disponíveis, passei a entender melhor toda essa parte jurídica. 

O que representa:

Do ponto de vista jornalístico, tanto o veículo quanto a assessoria de Comunicação me trouxeram vivências muito dolorosas, mas também de muito aprendizado. Sempre acreditei que o Jornalismo deve atuar como uma ponte entre o mundo e as pessoas, as histórias e a verdade, sou muito grata por toda oportunidade de ser um ser humano melhor. Por que é isso que essa situação nos ensina: o valor da vida.

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