Emicida: "O país em que nasci tem grandes dificuldades em me conceber como ser humano"

Participação do rapper encerrou a programação Festival Poa2020 neste sábado

Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, subiu virtualmente ao palco principal do evento para falar sobre o papel da arte na compreensão do que é o Brasil - Crédito: Reprodução/POA2020

 

Em um dos momentos mais aguardados do Festival Poa2020, Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, subiu virtualmente ao palco principal do evento para falar sobre o papel da arte na compreensão do que é o Brasil e sobre como é ser negro no país em que um jovem com a pele escura tem mais chances de morrer. Ele contou que, após ter viajado pelo continente africano, em 2015, voltou "com uma pulga atrás da orelha a respeito de quem eu era e quem nós somos. O país do qual os meus antepassados foram sequestrados tem meus afetos, mas não é, de fato, o meu país. E o país em que nasci tem grandes dificuldades em me conceber como ser humano. Me senti flutuando em um limbo, de ser um não-lugar durante boa parte da minha vida", disse, acrescentando que esse "não-lugar seria tipo um aeroporto ou rodoviária, que, em tese, está ali para todo mundo, só que não é casa de ninguém".

O cantor e compositor contou ter chegado a uma conclusão durante a elaboração de AmarElo, lançado no final de 2019, que ele chama de "experimento social" e não de álbum: "a vida só faz sentido quando a gente se encontra. (?) O que vem a parir essa instituição chamada Brasil é o encontro, e ele é violento, autoritário, desigual, racista e ultracomplexo, mas, ainda assim, é o encontro. E a gente precisa entender como positivar esse encontro. Esse é o grande desafio que a arte tem", destacou.

Além dos questionamentos sobre ser negro no Brasil, a viagem fez com que ele pensasse sobre as dificuldades de se elaborar uma comunicação eficaz: "eu posso falar A e você entender B, porque, no seu entendimento, um corpo como o meu não alcança o raciocínio necessário para se falar A. Então, é difícil elaborar a comunicação quando o seu corpo traz o símbolo do que é amaldiçoado pela sociedade". Emicida disse entender a raiva, nesse contexto, como um direito, e não um sentimento.

Mas há um porém, segundo ele: "quem nesse país tem o direito de explodir de raiva e, depois dessa explosão de raiva, ainda assim ser considerado um ser humano? A conclusão a que eu cheguei é que preciso estar um passo a frente, para romper com a regra do jogo sem necessariamente ser colocado para fora do tabuleiro, e aí vai entrar a calma, a serenidade para hackear tudo o que desumaniza a gente, e que a gente infelizmente reproduz de uma maneira ceda dia após dia."

E esse foi um dos motivos que o levou a colocar o "Amar" à frente do título do seu "experimento social": "é revolucionário, porque a gente foi ensinado a se odiar e a consumir esse ódio como única forma de representação, até com viés de denúncia". O álbum levou o Grammy Latino 2020. O segredo para tanta disposição e inspiração? "Venho me esforçando para ser um ser humano melhor e, no meio desse caminho, sai música."

Sobre o POA2020

Com o apoio da Do it, Coletiva.net marca presença on-line no POA2020, cujo propósito é debater a produção de sentido na exponencialidade das transformações provocadas pela tecnologia e pelos modelos de inovação. A cobertura do evento, com transmissão virtual, é produzida pelas jornalistas Cleidi Pereira, Nathália Ely e Patrícia Lapuente. A iniciativa é uma realização da Aliança para Inovação, do Pacto Alegre e do Porto Alegre Inquieta.

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