Jornalistas do interior voltam para casa após cobertura do julgamento da Boate Kiss

Veículos enviaram repórteres para acompanhar os dez dias do júri

Repórter Pâmela Gabriela Perufo, à esquerda, concentrada nas pautas - Divulgação/Coletiva.net

Leandro Vesoloski foi um dos jornalistas que se despediu de Porto Alegre durante o sábado,11, com o encerramento do julgamento do caso da Boate Kiss - que condenou à prisão os réus: Elissandro Spohr a 22 anos e seis meses, Mauro Hoffmann, 19 anos e seis meses, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus a 18 anos cada. Ele era o único repórter da região norte credenciado para a cobertura. Atualmente, trabalha na rádio de Erechim Cultura FM, e estava como freelancer para a rádio Uirapuru, de Passo Fundo.

Para ele, que também participou do júri do caso do Menino Bernardo, esses 10 dias foram intensos e de muito trabalho: "Para mim, como jornalista de uma rádio do interior, que vive outra realidade, estar na mesma sala com outras pessoas, profissionalmente, é uma experiência muito boa. Foi bom para estreitar relações e conhecer colegas que eu só falava por telefone", comentou. 

Assim como muitos jornalistas relataram em suas entrevistas ao portal Coletiva.net, Leandro contou que buscou reportagens sobre o caso na internet e leu o livro da jornalista mineira, Daniela Arbex - autora que esteve presente durante todo o período do julgamento. 

Emoção no ar

Leandro Vesoloski, repórter da rádio Uirapuru. Crédito: Divulgação

Repórter da área policial, o jornalista comentou estar acostumado a viver situações "pesadas", como mortes e tiroteios, mas que acompanhar um tribunal é totalmente diferente. Quanto a segurar a emoção diante da comoção dos familiares, Leandro se diz feliz em poder trabalhar no veículo, no qual não precisa esconder a emoção. "Na semana passada eu chorei com meus entrevistados ao vivo e isso não é demérito nenhum porque a gente faz a cobertura para passar o que acontece. E se é emoção, nosso ouvinte tem que sentir isso", esclareceu. 

De Camaquã para Porto Alegre 

Airton Lemos, repórter da rádio Acústica. Crédito: Divulgação/Coletiva.net

Airton Lemos é repórter da rádio Acústica FM, de Camaquã, que inaugurou recentemente um estúdio em Porto Alegre. Acostumado a cobrir pautas no Palácio Piratini e na Assembleia Legislativa, ele contou que começou a se preparar para o trabalho algumas semanas antes, fazendo reportagens especiais e entrevistas com especialistas em processo penal. Uma grande preocupação eram os termos técnicos do Direito, o chamado 'juridiquês', por isso, estudou bastante para repassar informações aos ouvintes. "É uma cobertura muito difícil porque a gente lida com o emocional das pessoas, não só dos familiares, mas do júri também, do juiz e dos demais advogados", falou Airton relembrando o dia em que advogados de defesa e o MP discutiram pelo horário da janta. 

Repórter multimídia 

"O rádio é muito instantâneo, então a gente se prepara todos os dias. E tu tem que ter um lead novo a cada hora. O único problema é que para fazer o boletim, tu sai da sala e pode perder um momento importante", disse Airton. Ele destaca que um dos grandes momentos foi quando ele acessou o plenário durante o depoimento do sobrevivente Delvani Rosso, em que ele mostrou as costas com queimaduras do incêndio. "Eu consegui tirar uma foto porque hoje o rádio não é só o áudio, a gente utiliza das imagens para abastecer as redes sociais e os veículos", admitiu o profissional, que falou que esse é seu maior desafio, pois pegou uma fase de transição para o digital. "Eu soltava as sonoras de um gravador. Hoje é tudo mais fácil, mas tu tem uma demanda maior." 

Para Airton, um grande desafio foi, durante o depoimento de Delvani, ver os familiares chorando ao lado dele, ter que deixar o emocional de lado para fazer uma entrada ao vivo e transmitir o que acontecia no júri naquele momento. "Manter o equilíbrio foi a parte mais difícil", concluiu. 

No coração das santa-marienses 

A equipe de jornalistas do Diário de Santa Maria também acompanhou de perto os dias de julgamento. Entre um gole e outro de chimarrão ou de energético, a repórter Gabriela Perufo era só concentração sentada em frente ao computador na sala de imprensa. Olhos atentos na tela do computador e na TV, em que era transmitido o júri, foi difícil conseguir uma pausa durante a cobertura para conversar com a equipe de Coletiva.net. "Quem é de Santa Maria não consegue separar o lado profissional do humano. Todo mundo conhece alguém, tinha parente ou amigo de alguém que morreu, até pelo alto número de vítimas", relatou. 

A repórter contou que, para o Diário de Santa Maria, a Kiss nunca deixou de ser uma pauta, desde o dia do incêndio. As notícias iam além da movimentação processual. Nos meses e anos que se seguiram, sempre deram destaque para as manifestações de familiares. Noticiaram também quando os parentes dos jovens mortos na casa noturna República de Cromagnon, de Buenos Aires - em que morreram 194 jovens - foram visitar o município gaúcho para consolar os pais das vítimas da Kiss. Para Gabriela, o julgamento é mais um capítulo dessa história contada há quase nove anos. 

A jornalista falou que a equipe chegou a se preparar para cobrir o julgamento em Santa Maria: Ela recordou que a equipe do Diário chegou a fazer reuniões, organizar escalas, horários e dividir funções até o desaforamento, que levou o júri para Porto Alegre. Depois, outra preparação foi interrompida pela pandemia, que alterou a data do evento. Com a proximidade do julgamento, Pâmela contou estar revivendo alguns momentos de 2013 por meio de pesquisas e reportagens especiais. Para ela, "passa um filme na cabeça". 

"Para mim é muito importante como jornalista, e como ser humano, ver esse desfecho acontecer", relatou a repórter que lamentou não ter todos os colegas acompanhando o caso, pelo fato de nem todos os jornalistas poderem se deslocar à Capital. 

De volta para casa

Gabriela contou que, após os dias de júri, ela e as demais colegas voltavam para o hotel e não conseguiam se desligar da pauta. Sobre os dias vividos dentro do Foro Central I, durante a primeira semana do julgamento - data em que Gabriela cobriu o júri, até a chegada de uma nova equipe -, a profissional destacou: "Fica uma lição, devemos sempre fazer o nosso melhor. Acho que os veículos de Santa Maria deram a atenção que o caso pedia", revelou a jornalista, que comentou sobre o uso de reportagens do Diário em plenário, assim como demais veículos de imprensa. 

A grande lição

"Ensinam pra gente na faculdade tudo que precisa para ser repórter, escrever, gravar, mas a gente não aprende como abordar uma fonte e pedir para falar com um pai, uma mãe e um sobrevivente. É diferente de falar com um entrevistado em uma pauta mais corriqueira," afirmou Gabriela. Para ela, é preciso esperar para saber se a pessoa que vai dar a entrevista está em condições de falar. "Vi mães chorando e vários jornalistas ao redor. E eu ficava pensando 'eu tenho que ir para não perder essa fala ou essa mãe precisa de espaço agora'. A grande lição que fica para mim é a humanização", concluiu ao sugerir que a categoria de jornalistas construa um debate sobre o lado humano em coberturas como a Kiss.

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