Jornalistas do interior voltam para casa após cobertura do julgamento da Boate Kiss
Veículos enviaram repórteres para acompanhar os dez dias do júri
Leandro Vesoloski foi um dos jornalistas que se despediu de Porto Alegre durante o sábado,11, com o encerramento do julgamento do caso da Boate Kiss - que condenou à prisão os réus: Elissandro Spohr a 22 anos e seis meses, Mauro Hoffmann, 19 anos e seis meses, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus a 18 anos cada. Ele era o único repórter da região norte credenciado para a cobertura. Atualmente, trabalha na rádio de Erechim Cultura FM, e estava como freelancer para a rádio Uirapuru, de Passo Fundo.
Para ele, que também participou do júri do caso do Menino Bernardo, esses 10 dias foram intensos e de muito trabalho: "Para mim, como jornalista de uma rádio do interior, que vive outra realidade, estar na mesma sala com outras pessoas, profissionalmente, é uma experiência muito boa. Foi bom para estreitar relações e conhecer colegas que eu só falava por telefone", comentou.
Assim como muitos jornalistas relataram em suas entrevistas ao portal Coletiva.net, Leandro contou que buscou reportagens sobre o caso na internet e leu o livro da jornalista mineira, Daniela Arbex - autora que esteve presente durante todo o período do julgamento.
Emoção no ar
Repórter da área policial, o jornalista comentou estar acostumado a viver situações "pesadas", como mortes e tiroteios, mas que acompanhar um tribunal é totalmente diferente. Quanto a segurar a emoção diante da comoção dos familiares, Leandro se diz feliz em poder trabalhar no veículo, no qual não precisa esconder a emoção. "Na semana passada eu chorei com meus entrevistados ao vivo e isso não é demérito nenhum porque a gente faz a cobertura para passar o que acontece. E se é emoção, nosso ouvinte tem que sentir isso", esclareceu.
De Camaquã para Porto Alegre
Airton Lemos é repórter da rádio Acústica FM, de Camaquã, que inaugurou recentemente um estúdio em Porto Alegre. Acostumado a cobrir pautas no Palácio Piratini e na Assembleia Legislativa, ele contou que começou a se preparar para o trabalho algumas semanas antes, fazendo reportagens especiais e entrevistas com especialistas em processo penal. Uma grande preocupação eram os termos técnicos do Direito, o chamado 'juridiquês', por isso, estudou bastante para repassar informações aos ouvintes. "É uma cobertura muito difícil porque a gente lida com o emocional das pessoas, não só dos familiares, mas do júri também, do juiz e dos demais advogados", falou Airton relembrando o dia em que advogados de defesa e o MP discutiram pelo horário da janta.
Repórter multimídia
"O rádio é muito instantâneo, então a gente se prepara todos os dias. E tu tem que ter um lead novo a cada hora. O único problema é que para fazer o boletim, tu sai da sala e pode perder um momento importante", disse Airton. Ele destaca que um dos grandes momentos foi quando ele acessou o plenário durante o depoimento do sobrevivente Delvani Rosso, em que ele mostrou as costas com queimaduras do incêndio. "Eu consegui tirar uma foto porque hoje o rádio não é só o áudio, a gente utiliza das imagens para abastecer as redes sociais e os veículos", admitiu o profissional, que falou que esse é seu maior desafio, pois pegou uma fase de transição para o digital. "Eu soltava as sonoras de um gravador. Hoje é tudo mais fácil, mas tu tem uma demanda maior."
Para Airton, um grande desafio foi, durante o depoimento de Delvani, ver os familiares chorando ao lado dele, ter que deixar o emocional de lado para fazer uma entrada ao vivo e transmitir o que acontecia no júri naquele momento. "Manter o equilíbrio foi a parte mais difícil", concluiu.
No coração das santa-marienses
A equipe de jornalistas do Diário de Santa Maria também acompanhou de perto os dias de julgamento. Entre um gole e outro de chimarrão ou de energético, a repórter Gabriela Perufo era só concentração sentada em frente ao computador na sala de imprensa. Olhos atentos na tela do computador e na TV, em que era transmitido o júri, foi difícil conseguir uma pausa durante a cobertura para conversar com a equipe de Coletiva.net. "Quem é de Santa Maria não consegue separar o lado profissional do humano. Todo mundo conhece alguém, tinha parente ou amigo de alguém que morreu, até pelo alto número de vítimas", relatou.
A repórter contou que, para o Diário de Santa Maria, a Kiss nunca deixou de ser uma pauta, desde o dia do incêndio. As notícias iam além da movimentação processual. Nos meses e anos que se seguiram, sempre deram destaque para as manifestações de familiares. Noticiaram também quando os parentes dos jovens mortos na casa noturna República de Cromagnon, de Buenos Aires - em que morreram 194 jovens - foram visitar o município gaúcho para consolar os pais das vítimas da Kiss. Para Gabriela, o julgamento é mais um capítulo dessa história contada há quase nove anos.
A jornalista falou que a equipe chegou a se preparar para cobrir o julgamento em Santa Maria: Ela recordou que a equipe do Diário chegou a fazer reuniões, organizar escalas, horários e dividir funções até o desaforamento, que levou o júri para Porto Alegre. Depois, outra preparação foi interrompida pela pandemia, que alterou a data do evento. Com a proximidade do julgamento, Pâmela contou estar revivendo alguns momentos de 2013 por meio de pesquisas e reportagens especiais. Para ela, "passa um filme na cabeça".
"Para mim é muito importante como jornalista, e como ser humano, ver esse desfecho acontecer", relatou a repórter que lamentou não ter todos os colegas acompanhando o caso, pelo fato de nem todos os jornalistas poderem se deslocar à Capital.
De volta para casa
Gabriela contou que, após os dias de júri, ela e as demais colegas voltavam para o hotel e não conseguiam se desligar da pauta. Sobre os dias vividos dentro do Foro Central I, durante a primeira semana do julgamento - data em que Gabriela cobriu o júri, até a chegada de uma nova equipe -, a profissional destacou: "Fica uma lição, devemos sempre fazer o nosso melhor. Acho que os veículos de Santa Maria deram a atenção que o caso pedia", revelou a jornalista, que comentou sobre o uso de reportagens do Diário em plenário, assim como demais veículos de imprensa.
A grande lição
"Ensinam pra gente na faculdade tudo que precisa para ser repórter, escrever, gravar, mas a gente não aprende como abordar uma fonte e pedir para falar com um pai, uma mãe e um sobrevivente. É diferente de falar com um entrevistado em uma pauta mais corriqueira," afirmou Gabriela. Para ela, é preciso esperar para saber se a pessoa que vai dar a entrevista está em condições de falar. "Vi mães chorando e vários jornalistas ao redor. E eu ficava pensando 'eu tenho que ir para não perder essa fala ou essa mãe precisa de espaço agora'. A grande lição que fica para mim é a humanização", concluiu ao sugerir que a categoria de jornalistas construa um debate sobre o lado humano em coberturas como a Kiss.