Por onde anda Juliana Motta? Repórter da RBS TV Santa Maria que cobriu a Kiss

Fora da TV, jornalista contou à equipe de Coletiva.net que duas grandes transformações delinearam um novo caminho na vida dela

Juliana em uma das entradas ao vivo em rede nacional - Arquivo pessoal

Em uma iniciativa inédita, Coletiva.net e Coletiva.rádio produzem conteúdos especiais gerados durante o julgamento da Boate Kiss - e a ação conta com o apoio institucional da Associação Riograndense de Imprensa (ARI). O objetivo da cobertura é mostrar ao público a atuação da imprensa, com matérias, fotos, entrevistas exclusivas e a visão dos jornalistas credenciados para acompanhar o mais longo julgamento da história do judiciário gaúcho (até o último domingo, 5, a marca pertencia ao julgamento do Caso Bernardo, que durou cinco dias). 

Durante as pesquisas realizadas pela equipe do portal, uma pergunta ficou no ar: "Por onde anda a repórter da RBS TV de Santa Maria, Juliana Motta, que trabalhou intensamente naquele ano?". Contatada pela reportagem de Coletiva.net e Coletiva.rádio, a jornalista relatou sobre a guinada que deu na vida após viver duas grandes transformações: cobertura da Kiss e maternidade. 

Ela ganhou destaque nacional, com entradas ao vivo, ao longo de todo aquele inesquecível e trágico domingo de 27 de janeiro de 2013, quando o incêndio da Boate Kiss matou 242 jovens e feriu mais de 600 vítimas. Agora, a futura doutora Juliana não integra mais nenhuma emissora de TV ou veículos de Comunicação.  De volta à academia, em 2016, ela finalizou o mestrado e em abril de 2022 defenderá a tese de doutorado. 

1 - Como e quando recebeu a notícia sobre o incêndio na Boate Kiss?

Era por volta de 4h30, quando recebi uma ligação do então coordenador de TV, Luis Eduardo Silva. Ele me disse que havia ocorrido um incêndio com 20 mortos na Kiss e que era para eu ir pra lá. Na hora, duvidei, perguntei quem havia confirmado aquela informação? Ele me respondeu: estou aqui e tem corpos na calçada. 

Quando cheguei lá, fiquei completamente perdida. Não tenho ideia do tempo, mas por alguns minutos fiquei parada sem saber o que fazer. Então, decidi que iria sair conversando com as pessoas e gravando, e depois pensaria no que fazer. Por volta das 9h da manhã, comecei a entrar ao vivo por telefone. Às 10h, começaram as entradas ao vivo em vídeo. E só parei à noite.

2 - Qual foi o momento mais difícil durante a cobertura? 

Nos primeiros dias, trabalhei em uma espécie de choque. Muita correria, muita coisa para apurar e muita incerteza. É um ritmo inacreditável. Mas com o passar dos dias, 'a ficha vai caindo' e todos vão tendo a real dimensão do absurdo que era tudo o que estávamos vivendo. Então, foi muito difícil. Conversar com os pais em um momento tão desesperador, é muito, mas muito difícil. 

A vigília em frente à Boate no sétimo dia da tragédia foi muito doloroso de cobrir. Fizemos entradas ao vivo até o horário que o incêndio havia começado. Foi a primeira vez que tive que interromper a transmissão e devolver para o estúdio, para não chorar ao vivo.

3 - Quase nove anos se passaram e por onde anda a Juliana Motta? 

Depois da Kiss, eu dei uma reformulada na minha vida. Sabe como é... Essas experiências nos levam a repensar algumas questões. Então, ainda em 2013 engravidei e passei na seleção do mestrado. Saí da RBS TV na volta da licença-maternidade. E, desde então, estou estudando na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde me formei como jornalista. Agora, estou terminando o doutorado e fazendo Assessoria de Comunicação para algumas empresas.

4 - Acredita que a cobertura foi uma peça que fez essa engrenagem se mexer? 

Sim, sem dúvida a experiência da cobertura da Kiss é que me fez repensar tudo. Ninguém passa por uma tragédia dessas sem se afetar. Ainda que eu não tenha perdido ninguém próximo no incêndio, acompanhar tudo aquilo tão de perto, em especial, a dor das mães e pais, fez eu me dar conta da fragilidade da vida. E do quanto não podemos ficar adiando planos. Não sabemos até quando estaremos aqui, né?

5 - E como foi a volta para a Universidade? 

Desde o mestrado, iniciado em 2014, venho estudando o testemunho na cobertura de tragédias, ou seja, os relatos de experiência das pessoas afetadas pelo acontecimento. São aquelas entrevistas que falam do ponto de vista pessoal, do que essas pessoas presenciaram, ouviram e sentiram. Não é um saber decorrente do cargo, da autoridade, ou do conhecimento, mas um saber que vem experiência, do caráter testemunhal. 

Este interesse de pesquisa surgiu porque, como repórter na Kiss, eu senti o quanto os testemunhos dos sobreviventes nos ajudaram a compreender o que havia ocorrido na boate. E se a gente for pensar na cobertura do dia a dia, as 'pessoas comuns' que não são fontes oficiais ou especialistas não costumam ter um papel muito relevante nas reportagens. Na maior parte das vezes, elas são entrevistadas para servir como exemplo, como case, como 'gancho' para algum assunto. 

Eu me questionava: o que as coberturas de tragédia têm que fazem as práticas jornalísticas serem modificadas? Essas, realmente, são impactadas? Os testemunhos são diferentes mesmo? Dúvidas nascidas na prática jornalística e levadas para a academia. 

A universidade é o espaço onde devemos questionar práticas, a partir de métodos científicos, para produzir conhecimento. Então, pensei que a minha experiência como repórter seria importante para a pesquisa. Estou sempre fazendo relações entre teoria e prática. Quando estamos no mercado fazemos essa diferenciação de que teoria é algo e a prática é outra. Contudo, na verdade, as duas opções estão sempre interligadas.

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