Bagatelas II
Por José Antônio Moraes de Oliveira


Aprendi desde algum tempo que não se deve evitar as perguntas-sem-respostas que muitas vezes nos pegam de surpresa. Que podem ser inoportunas, mas acabam provocando inquietudes e estimulam a curiosidade sobre aquilo que não entendemos completamente. Uma das mais persistentes é a mesma que vive me provocando:
"Aquilo que guardo nas memórias
aconteceu de verdade ou são ilusões que
inventei para criar conforto mental?".
Com certeza não se trata de interrogações novas - escritores de talento já rodaram por estes caminhos, vasculhando o passado sem nem sempre obter respostas. Falar em busca do passado fatalmente nos conduzirá aos grandes Marcel Proust e James Joyce. Poucos como eles desafiaram o lado obscuro da memória emocional.
Eles aprenderam - e nos ensinam - que o passado não existe da forma como o imaginamos. Acontece que ele se apresenta como as múltiplas imagens de um grande caleidoscópio, onde se alternam cenários, rostos, vozes e até sons, aparentemente sem conexão entre si. Até o momento em que conseguimos perceber é o justamente o oposto. Mas para chegar a tanto, precisamos
encontrar uma pedra-de-toque que decifre o enigma. Como um certo personagem encontrou a chave em um trenó de trenó de neve. Ou, para ser ortodoxos, uma singela madelaine embebida em uma xícara de chá. Ou ainda, seguir os significados de uma viagem ao nosso interior, replicando Joyce em sua jornada em Dublin:
"Uma viagem ao encontro do que guardo
no mais profundo de mim".
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Charles Spencer Chaplin foi o vagabundo Carlitos antes de ser nomeado Sir pela Rainha da Inglaterra. Ele dirigiu, produziu e interpretou centenas de comédias de curta, média e longa metragem baseadas no mais puro instinto criador. Mais ainda, foi um dos inventores da linguagem cinematográfica. Até 1940, suas comédias não tinham roteiro, apenas um joke, uma cena de rua, como fez em "Carlitos em uma loja" ou "Carlitos Vidraceiro" na fase dos Studios Essanay que lhe dava total liberdade para filmar, sem roteiro nem pré-produção.
Ele percorria as ruas de Los Angeles nos tempos de depressão, observava pessoas e o cotidiano, criando episódios hilariante - ou por vezes, comovente. Hoje temos livros, teses, cursos e conferências sobre linguagem corporal, identidade visual, ícones e símbolos.
Charles Chaplin intuía tudo isso 100 anos atrás, quando desdenhava os manuais da indústria de como fazer cinema. E depois dele, comédias e os comediantes, de uma forma ou outra, seguiram suas fórmulas de fazer platéias rir ou chorar.
Ele morreu na véspera do Natal de 1977. A seu pedido, foi sepultado sem pompas fúnebres em Corsier-sur-Vevey, na Suiça, onde repousa à sombra de ciprestes centenários, ao lado da esposa, Oona O'Neil.
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Não é livro de leitura fácil ou para passar o tempo. Com Umberto Eco, é preciso paciência e uma dedicada atenção aos personagens que nem sempre são o que parecem ser.
Em uma palestra na Universidade de Bolonha, ele recomendou que não devemos questionar o que um livro diz, mas o que ele significa. Uma de suas características é conduzir o leitor a ambientes atemporais e improváveis, como fez em sua obra-prima. Em O Nome da Rosa estamos em um inacessível mosteiro no alto dos Alpes italianos, com uma misteriosa biblioteca onde repousam manuscritos proibidos pela Igreja.
Já O Pêndulo de Foucault antecipa o predomínio da nova high-tech e as angústias que assaltam os que tentam investigar o enigma do Tempo. Como acontece com os cientistas que visitam o Convento dos Cavaleiros de Cristo em Tomar, em Portugal. Na fortaleza, fundada pelos templários em sua volta das Cruzadas, eles descobrem estar em um lugar atemporal, idêntico em tudo ao Primeiro Templo de Salomão em Jerusalém, que guarda segredos capazes de transformar o mundo.
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