Nominações

Por Fraga

Nós, humanos, adoramos nominar. Nos cercamos de nomes ao redor. Nomes próprios, digo. Às vezes lindos, noutras desinspirados, horrorosos muitíssimos. Mansões com nome da família, iate ou barquinho com nome da mulher amada. Animais de grande porte ganham nomes conforme o modo como os utilizamos. Cavalos no hipódromo recebem nomes compridos e pomposos, até títulos nobliárquicos. Bois na canga ganham nomes simples, inclusive simplórios. Os menores, todos da raça pet, já são outro desafio: como encaixar tanto amor numa criaturinha? Como realçar toda a importância que o bicho tem pro seu dono? Pra resolver isso, a falta de imaginação criadora ou o excesso de preguiça mental se vale do catálogo de nomes próprios. Bicho com nome de gente virou uma praga auditiva. A um chamado na rua, cães e humanos atendem. Pro animal, o colo, o agrado; pra pessoa, o engano, o desagrado. Nesse novo costume, quebrou-se uma hierarquia universal: ambos merecem atenção e respeito, mas, moralmente, gente sempre esteve acima de bicho. Pelo jeito não tá mais - ainda se vê gente na sarjeta, mas bicho não se vê mais. Para muita gente, a vida humana já vale menos que a vida canina. Talvez, por isso, foi eleito alguém capaz de, no seu governo, adotar coleiras para multidões, metafóricas ou não. Não importa: capitaneia quem pode, obedece quem precisa. Enfim, nomes são símbolos da sujeição das massas. Daqui a nove meses, por ex, vão nascer milhares, talvez milhões de Jaires. Por motivo inverso, ao contrário da homenagem, surgirão cachorros homônimos. Não há mais respeito, e muito, muito, muito menos autorrespeito. O que explica a recente vitória da animalidade e a derrota do humanismo.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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