Uberlizar ou não

Por Fraga

Sou do tempo em que os táxis eram coletivos, chamados lotações. Nunca andei num desses. Eu via os carros, todos pretões, lotados. Nem me imaginava passageiro. Eles circulavam pelas radiais daquele tempo e zuniam pros bairros, e, daí, pro centro.

Quanto alguém queria embarcar, estendia a mão e ali, na hora, verificava pra onde seguia a viagem, se cabia mais um no destino comum. Sei lá como calculavam o valor a pagar pelas corridas. Devia ser rentável pros motoristas, algo prático pra todo mundo.

Depois, pela superpopulação, o mundo complicou de vez. E os táxis se individualizaram, se multiplicaram, se coloriram daquela cor que só POA tem, ou tinha. Foi quando o poder público municipal sentiu falta de um desorganizador oficial de tráfego. E surgiu a EPTC, um dos mais aperfeiçoados complicadores da Capital.

Como todo porto-alegrense motorizado sabe, a principal função dessa entidade é desfacilitar o ir e vir do cidadão. A distância mais longa e/ou demorada entre dois pontos é a engenharia de tráfego. Quer dizer, o mundo dá muitas voltas, mas não tantas quantas os engenheiros de tráfego conseguem arranjar num bairro. Tente passar de um lado da avenida Protásio Alves pro outro e você começa a ter ideia de como os agentes da EPTC se esmeram em contorcer o mapa da cidade.

Foi com a EPTC que a via crucis dos taxistas virou perimetral crucis, e a EPTC um feitor dos credenciados. Converse com qualquer taxista e ouça os detalhes sobre o clima das vistorias regulares. É um órgão que além de cumprir o dever de fiscalizar se dedica, sobretudo, ao prazer da fiscalização. Nessas ocasiões, prepotência é a palavra que não quer calar.

Acho eu que os taxistas pagam caro pela concessão do transporte público, e não me refiro só à submissão diante das exigências dos agentes fiscalizadores. Há taxas que não se justificam, e uma delas é o que pagam todos os meses pelo GPS.  Por que a EPTC tem que comer outra fatia mensal da renda sacrificada de cada taxista?

É evidente que o serviço de GPS serve mais ao controle da frota que à boa circulação, é do interesse do órgão. Uma tecnologia que deveria beneficiar todos os usuários, taxistas e passageiros. Aliás, o custo do uso de satélites já foi barateado há muito tempo pelo uso mundial partilhado.

As vistorias também têm custos abusivos, a do carro e a do taxímetro. Sem falar, a cada vez, do meio dia ou dia inteiro de trabalho perdido. E por isso custam caro. Uma situação nacional e internacional imutável. Foi de olho nesse mercado estrangulado que o cara do Uber pensou: posso enriquecer fácil com isso!

Não dirijo, prefiro ônibus, não dispenso táxi quando me convém.

Não adotei apps no celular e, dos táxis alternativos, o último que usaria seria o Uber. Por um raciocínio crítico: os 25% que suga dos taxistas cadastrados. Gente, a Nike e outras grifes fazem o mesmo com a mão de obra barata em países subdesenvolvidos.

É muita exploração a partir da criação de um aplicativo. Se é um táxi alternativo, algo bom para influir no sistema de transporte público e melhorar o panorama, deveria ser também uma alternativa ao capitalismo explorador. Em vez disso, virou mais um feitor. Não compactuo com nada disso.

Posso passar sem Ubers e eles sem mim. Escolho ficar ao lado do táxi comum e seus fardos fiscais, sem contribuir para aviltar a situação deles. A Prefeitura e a EPTC deveriam ampliar o papel social: buscar soluções a favor da sociedade. Por um lado, não impedir serviços alternativos; por outro, favorecer a sobrevivência do taxista tradicional.

O clamor pela humanização e civilização tem que ser tanto a pé quanto sobre rodas.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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