AH! SE SOUBESSEM O QUE EU SEI
Por Fernando Puhlmann
"Como é que existe alguém
Que ainda tem coragem de dizer
Que os meus versos não contêm mensagem
São palavras frias, sem nenhum valor"
Lupícino Rodrigues
Foram direto para o fundo do bar, à direita, onde sempre ficavam. O lugar parecia ter uma cor só. As mesas, o balcão, as paredes, tudo era um tom acima ou abaixo do marrom. Não havia enfeite, as toalhas eram brancas e a sobre toalha amarela, a iluminação era baixa, indireta, parecia que a ideia ali era que ninguém visse ninguém, a impressão era que todo mundo ficava marrom ao passar pela porta, alguns um tom acima, outros um tom abaixo.
Ele pediu um vinho de jarra, ela olhou com cara de indiferença.
Na mesa ao lado, um grupo de quatro homens, os dois mais novos pareciam estar ali pela primeira vez, tinham um olhar interessado por tudo que acontecia no ambiente, os mais velhos, perdidos em seus pensamentos, não falavam nada, apenas bebiam.
A música tocava em uma pequena caixa de som acima do bar, era um bolero da década de 70. Ela reconheceu a letra, sua avó sempre ouvia nos domingos, quando suspirava pelo avô que já havia partido.
No balcão, alguns clientes tamborilavam com os dedos sobre a madeira e outros cantarolavam baixinho a melodia que falava de amores perdidos.
Ela pensou na sua vida, nos desafios diários de acreditar em um mundo mais justo, mesmo quando parecia impossível mudar a rota dos acontecimentos.
Amores impossíveis pareciam o ópio predileto naquele lugar esquecido pelo tempo, ela não tinha espaço para isso na sua vida. Prática, sempre lidara com o amor de forma simples, sem arroubos, sem decepções. Ele era um romântico, e isso não era apenas no amor carnal, era um sonhador, que acreditava que a vida valia a pena sempre, mesmo nos momentos mais pesados.
O vinho chegou, ele serviu as duas taças.
- Derrota dura a de hoje. - Ele tentou puxar conversa
- Dura, porém previsível. Ninguém constrói um projeto com sonhos e nada mais.
- Quanto amargor, Julia- Ele esboçou um sorriso
- Tô cansada de discursos bonitos dentro de universidades e cafés culturais. Política se faz com pé no barro.
- Concordo, mas não podemos desistir.
Na mesa ao lado, um dos homens mais velhos se virou e falou:
- Concordo com a moça, ou voltamos para os movimentos sociais, ou os extremistas nos engolem.
- Não discuto isso, companheiro, mas a luta não acabou. Vamos nos reinventar e voltar para a briga. Elegemos mais vereadores do que prevíamos. - respondeu Jorge.
Um dos rapazes do balcão também entrou na conversa.
- A culpa é das igrejas evangélicas, os pastores assumiram a periferia e viraram os votos para a extrema direita.
Em outra mesa, um senhor levantou e protestou: eu, como crente, não posso deixar vocês colocarem a culpa nos pastores. Homens de Deus, devotados à palavra do Criador.
Em poucos minutos, o bar ganhou vida, parecia que todo mundo queria, de alguma forma, participar da discussão. Os ânimos se acaloraram - religião e política misturados viram uma bomba perigosa.
Então, o músico subiu ao palquinho que tinha no canto, próximo à porta de entrada. Dedilhou o violão. Todos voltaram ao seu estado de letargia, alguns tamborilando sobre as mesas, outros cantando em voz baixa: esses moços, pobres moços, ah! se soubessem o que eu sei...