A Arte de Nos Permitirmos
Por Fernando Puhlmann
"A minha música é o reflexo da sinceridade"
Heitor Villa-Lobos
A música é a poesia em notas, mesmo quando não há versos. Villa-Lobos foi um gênio muito bem compreendido, mesmo quando as histórias de sua vida foram misteriosas. Entendeu como ninguém o quanto contar à sua aldeia podia ser universal. A magia dos sons brasileiros misturados aos acordes de orquestras sinfônicas mundo afora o tornaram gigante.
A vida é isso: uma construção do que já foi feito anteriormente, potencializado por nossos talentos. A reinvenção da roda sempre é necessária, pois só assim colocamos o nosso DNA nas nossas produções diárias, e elas nem precisam ser geniais como foram as dele, só precisam ser nossas.
Precisamos acreditar no que fazemos, entregar suor e fantasia. A vida não é um sopro, a vida é uma construção diária do nosso infinito particular, uma guerra surda contra nosso maior inimigo: nós mesmos.
A inércia confortável nos prende em sofás e camas, e não permite que a gente brigue por sonhos que, na maioria das vezes, são muito palpáveis e, principalmente, extremamente realizáveis. A crítica de terceiros não é o nosso maior sabotador, embora muitas vezes a gente coloque aí a culpa das chances jogadas no lixo, o nosso maior sabotador é a autocrítica.
Ficamos presos em casamentos falidos, empregos amargos, amizades falsas, cidades cinzas, simplesmente por que não ousamos dizer: levanta e anda. A vida não acaba hoje à meia noite, nem sexta e muito menos em dezembro. A vida é um eterno construir em cima do que acreditamos, e foi isso que esse gênio fez, ousou sonhar em misturar música caipira com erudita, simplesmente porque ele queria fazer.
Isso é genial. Não ter limites em produzir o que se gosta pode parecer simples, mas antes de ser braçal, é psicológico.
Villa-Lobos entrou para história da música universal criando, em cima de uma base que já existia, o nosso folclore, a nossa cultura. A sensibilidade de enxergar o belo, o virtuoso, no popular, nos ensina que é necessário estarmos aberto ao todo, afinal, a nossa grande obra da vida pode ter sido iniciada muito antes de termos nascido.
Sejamos corajosos e fiéis a nós, respeitemos nossa história, contemos à nossa aldeia, e o simples pode virar magnífico, mesmo que seja só para nós mesmos. Afinal, não existe sentimento melhor que nos olharmos no espelho e nos reconhecermos por inteiro. Permita-se.