A Era da Banalidade

Por Flávio Dutra

Outro dia tratei aqui do que intitulei de Era da Enganação ou da Desconfiança, como resultado dos múltiplos golpes e fraudes que infestam o dia a dia dos brasileiros. Mas outra Era se impõe nestes tempos pós-modernos:  a Era da Frivolidade, ou da Banalidade. 

São tempos de excessiva exposição aos conteúdos digitais de baixa qualidade, sobretudo nas redes sociais. Com base nisso, a Oxford University Press, que edita o conceituado dicionário Oxford English elegeu "brain rot" como a palavra/expressão do ano de 2024. A tradução para o termo é  "podridão cerebral", uma metáfora que significa a "suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (agora particularmente conteúdo online) considerado trivial ou incontestável. Também é algo caracterizado como passível de levar a tal deterioração",  como descreve a Oxford. O termo aumentou a frequência de uso em 230% entre 2023 e 2024. 

Interessante é que o uso da expressão "podridão cerebral" não é recente. Foi usado pela primeira vez em 1854, no livro "Walden", de Henry David Thoreau, só que usado com outro significado. Thoreau, escritor, poeta e naturalista norte-americano, criticava a tendência da sociedade da época de desvalorizar ideias complexas em favor de ideias simples, num indicativo de um declínio geral no esforço mental e intelectual.

Corte para os anos 2000, já na era digital, e Zygmunt Bauman,  de alguma forma. estabelece - ou antecipa -  uma conexão com o debate que está  posto, ao apresentar seu "Tempos Líquidos".  Na obra, o  filósofo polonês argumenta que, em uma sociedade onde tudo é fluído e temporário, os valores e certezas tradicionais tendem a ser desafiados, resultando em um ambiente onde a volatilidade prevalece.

A questão, na verdade, não pode se restringir a qualidade dos conteúdos oferecidos pelas redes sociais e mais acessados pelos usuários. O tempo gasto nas redes, especialmente pelas crianças e adolescentes, tornou-se motivo de grande preocupação das famílias, das escolas e chegou  aos governos.  Relatório recente da We Are Social e Meltwater revela que a média diária dedicada às redes sociais no Brasil é de 9 horas e 13 minutos! Só perdemos para a África do Sul, que registra 9 horas e 24 minutos. Estudo do IBGE aponta que 92,9% dos brasileiros possuem acesso à internet, enquanto apenas 66,1% contam com saneamento básico. O Brasil soma mais de 144 milhões de usuários nas principais plataformas. Aí temos um campo fértil para o surgimento de figuras tipo Pablo Marçal, André Janones e a multidão de influencers palpitando sobre tudo que possa ser monetizado, não interessando a qualidade das mensagens.

A reação ao excessivo protagonismo das redes sociais em nosso dia a dia já se faz sentir por meio de iniciativas como o projeto de lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas do país, em tramitação no Congresso. Em São Paulo, a Assembleia Legislativa já aprovou legislação neste sentido. O RS tem legislação específica sobre a questão, mas o governo ainda deve editar decreto em 2025 para orientar as escolas em relação ao uso de celulares. A Austrália radicalizou e, numa decisão inédita no mundo, aprovou a proibição do acesso às redes sociais para menores de 16 anos. As plataformas que descumprirem a lei serão multadas pelo equivalente a R$ 200 milhões.

Projetos de lei e decretos não são garantia de que os dispositivos previstos serão cumpridos. O papel aceita tudo. Se não houver um esforço conjunto, que começa na família e se estende a toda a sociedade, com educação para o mundo digital desde  cedo, campanhas de esclarecimento e fiscalização permanente para o cumprimento da legislação, a efetividade dos regramentos ficará irremediavelmente prejudicada e as redes sociais continuarão influenciando o comportamento das pessoas. Era da Banalidade terá se consolidado.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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