A escolha de Nicolau

Por José Antônio Moraes de Oliveira

 

Conta-se que, pouco antes de morrer em sua amada Florença, no ano de 1527, Niccolò Machiavelli relatou aos amigos que o acompanharam até o fim o que ficaria conhecido como "A Escolha de Machiavelli". Disse que preferia ir para o Inferno discutir política com os grandes homens da Antiguidade do que ser mandado ao Paraíso, onde padeceria de tédio na pacífica companhia dos santos, dos puros e inocentes.

Para o biógrafo Mauricio Viroli, esta confissão confirma a personalidade inquieta e complexa do autor de "O Príncipe". Afirma que o sorriso de Mona Lisa, com o qual Machiavelli encarou dias de fortuna e desgraça não é menos fascinante do que sua obra, que ajudou a fundar o pensamento político moderno.

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Niccolò Machiavelli conviveu com a intimidade dos Médicis durante seus anos de glória e como poucos, soube ler e interpretar a alma dos que detinham imenso poder político. Estudava com lupa a alma das pessoas, examinando o que havia por detrás das máscaras e das simulações. Quando um velho cortesão lhe diz que "qualquer pessoa pode enganar o Príncipe, mas somente uma vez", Machiavelli discorda e diz que, diante da imprevisibilidade dos homens, 

"O Príncipe poderá ser enganado a

cada dia por uma pessoa diferente".

Um de seus mais citados pensamentos (e nem por isso menos intrigante), afirma que o Príncipe, como apregoava Cícero, deve almejar a reputação de piedoso e clemente, no entanto, precisa estar atento para "não usar mal a piedade". E que é imperioso saber distinguir a "crueldade mal usada" da "crueldade usada para o bem". Ao comentar o antológico pensamento dos humanistas, segundo o qual, 

"Não existe nada mais eficaz para manter

o poder do que ser amado

e nada é mais danoso do ser temido",

o florentino concorda que seria extremamente desejável ser amado e temido, mas como é quase impossível obter as duas coisas ao mesmo tempo,

"É muito mais seguro ser temido do que ser amado".

Em outro momento, Machiavelli diz ao Príncipe (possivelmente Lorenzo  de Médici) que aquele que pretende grandes empreendimentos, deve ser capaz de combater leões (seria o papa-guerreiro Julio II?) e raposas (Fernando de Aragão, da Espanha?). Mas igualmente precisa estar preparado para enfrentar aqueles que são leão e raposa ao mesmo tempo (César Bórgia, quem mais?). Porque o Príncipe deve ser como os dois, "porque o leão não sabe se proteger das víboras, nem a raposa dos lobos".

O filósofo prega que a política é feita pelos homens, por isso deve ser medida a partir das paixões, temperamentos e fantasias pessoais. Quando um famoso astrólogo de Pádua, Bartolomeo Vespucci, pregava que os homens jamais conseguirão escapar do influxo dos céus, Niccolò Machiavelli argumenta:

"O homem pode transformar a si mesmo, usando as

experiências às quais se submete ao longo da vida,

se adaptando às circunstâncias e agindo de acordo".

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Um filósofo alemão, Eric Voegelin, que se dedicou a estudar a obra e o pensamento de Machiavelli apresenta uma visão radical de seus aforismos e significados. Diz que o Príncipe  não está isento das regras das imperfeições humanas, mas mesmo sem desfrutar de todas as virtudes, deve ser prudente e evitar, antes de tudo, a má reputação. 

Segundo ele, Machiavelli alerta sobre o risco de ser totalmente moral, pois a maioria das pessoas é ingrata, desconfiada, medrosa e ávida por vantagens. A massa humana seguirá os poderosos, enquanto vêem proveito nisso, mas irá se revoltar quando chega a hora das carências. Portanto, como a extensão da gratidão humana depende do proveito a

ser alcançado, o Príncipe deve se valer dos laços do medo. Mas quando for levado ao extremo de matar, nunca deve se vangloriar nem se apropriar dos bens do morto. A massa aprecia a segurança da casa e   dos bens materiais. Raros são os que desejam assumir os riscos do  Poder. A maioria prefere a liberdade de viver em segurança.

 Repetindo o filósofo grego, Niccolò Machiavelli afirma que os poderosos podem violar regras da fé, caridade e humanidade, mas as deve louvar em palavras e em público - pois os homens admiram a fachada da virtude e bondade, não se importando se estão sendo iludidos. Admiram o sucesso e as vitórias e, diante das boas aparências, não se preocupam em buscar a realidade oculta. E resume:

"A massa será conquistada com aparências e vitórias".

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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