A inteligência artificial já está substituindo humanos

Por Paula Beckenkamp

Essa é uma discussão que vem sendo travada há muitos anos, mas, ultimamente, ganhou mais espaço em razão dos avanços tecnológicos e do fato de a IA estar mais acessível à população em geral. Exemplo disso foi o lançamento e adesão estrondosa ao ChatGPT.

Desde a Revolução Industrial vemos, lemos e ouvimos a substituição de humanos por máquinas. A diferença, agora, é que a digitalização é a realidade e seu desenvolvimento e evolução é em um nível aceleradíssimo.

Sabemos que a IA depende da Inteligência Humana, que é quem alimenta aquela. Ao menos deveria ser sempre assim, pois sem controle e vigilância humana, a máquina vai se alimentando do que capta no mundo virtual e isso, evidentemente, é a fórmula para problemas de grandes proporções (como comportamento discriminatório ou bélico, por exemplo).

Em um primeiro momento, rapidamente nosso cérebro nos diz que é impossível sermos totalmente substituídos ou enganados; somos capazes de diferenciar um avatar de um humano. Será?

Influenciadora gerada por IA

Há poucos dias, uma agência de modelos espanhola, sediada em Barcelona, anunciou que criou a sua primeira influenciadora digital gerada 100% por Inteligência Artificial. Segundo o fundador da agência, ela é capaz de lucrar até US$ 11 mil dólares mensais com publicidades no Instagram. 

A ideia de criá-la surgiu após ele enfrentar diversas dificuldades com os modelos e influenciadores reais, o que lhe obrigava a adiar ou cancelar trabalhos. A principal vantagem da uma influenciadora digital gerada por IA, segundo RubeñCruz, seria o fato de as marcas não precisarem lidar com as "vontades", "ego" e "exigências" feitas pelos influenciadores humanos.

A conta de "Aitana", aberta há pouquíssimo tempo, já possui 148 mil seguidores (enquanto eu escrevia esse artigo os números foram subindo de forma assustadora). Ela "possui 25 anos", recém feitos. Fala de games, fitness, cosplay e amor. Tem cabelos pintados de rosa e se apresenta de forma bastante sensual e vem agradando muito o público masculino.

Aitana, influenciadora criada por Inteligência Artificial - Crédito: Reprodução/Redes sociais

 

Analisando as postagens da sua página e os comentários lá existentes, é possível perceber que nem todas as pessoas foram capazes de perceber que se trata de uma influenciadora gerada por IA - até porque, não há esse alerta na sua bio. 

Preocupa o fato de que, ainda que alguns seguidores tentem alertar os demais sobre ela não ser real, outros a "defendem", dizendo que já a encontraram na rua e que suas fotos somente são melhoradas com photoshop - ou seja, acreditam que ela é uma pessoa.

O excesso de vida virtual já é um grande alarme soando na sociedade mundial e o que se verifica é que muitos jovens sequer têm vontade de discernir o que é real do que é gerado por Inteligência Artificial. Teremos, todos, que nos acostumar e nos adequar à tecnologia e ao comportamento das novas gerações; do contrário, colheremos muito mais malefícios do que benefícios com a IA.

Como é para o Direito?

Juridicamente, se a "influenciadora" não estiver fazendo algo ilícito (via seu criador humano), nada impede que ela esteja nas redes sociais. Algum dano que ela venha causar deverá ser reclamado junto aos humanos que estão por trás. Esse raciocínio é fácil de ser feito porque conhecemos quem está por trás da tecnologia. 

Por outro lado, pense em um caso em que desconhecemos por completo quem é o desenvolvedor e o responsável por um personagem criado por IA. Esse personagem, por sua vez, está causando lesões e danos a pessoas reais, cometendo crimes e proferindo ameaças nas redes sociais. Nas conversas privadas, ele vende drogas aos adolescentes. Nesse caso, a quem recorrer se você é lesado? Claro que podemos procurar a plataforma utilizada, para bloquear a conta e, dependendo do caso, pedir algum tipo de ressarcimento. Entretanto, o fundamental sempre será descobrir quem é o criminoso que está por trás dessa IA. Esse, está claro, é um dos problemas a serem enfrentados pelo Direito. 

Legislação

No Brasil, ainda não temos uma legislação específica sobre IA. No entanto, temos um Projeto de Lei que vem sendo estudado por juristas e é objeto de estudo por vários grupos de profissionais no País todo. A exemplo, aqui no RS temos um grupo de trabalho dentro da OAB, que estuda o PL desde o início deste ano, acompanhando de perto todos os movimentos locais e mundiais sobre o tema.

O tema é de extrema importância e bastante complexo. Os desdobramentos são impossíveis de serem previstos na sua totalidade. Somente com o tempo de uso da IA, muito estudo e dedicação, seriedade e utilização do Direito comparado (com o restante do mundo) poderemos traçar possibilidades mais realistas, antever problemas e ponderar riscos e vantagens com mais precisão.

Por enquanto, o que deve ser feito é redobrar os cuidados com crianças e adolescentes nas redes sociais e prestar mais atenção no que se está consumindo. A IA tem aplicações fantásticas e nos faz avançar incrivelmente como seres humanos. No entanto, como tudo na vida, há o lado ruim. Os riscos envolvidos com sua utilização sempre devem ser ponderados.

Com o tempo, é certo que passaremos a usar a IA com mais naturalidade e suas implicações jurídicas já estarão mais bem regulamentadas. Enquanto isso, use com responsabilidade e consciência, para que os benefícios superem os malefícios.

Abraços!

Autor
Advogada, sócia do escritório Beckenkamp Soluções Jurídicas, tem mais de 22 anos de experiência profissional e passagem pelo Poder Judiciário e Ministério Público Estaduais. É Data Protection Officer - DPO, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados (GDPR LGPD), com certificação internacional pela EXIN. É professora e palestrante. Membro da Comissão Especial de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS, do Comitê Jurídico da ANPPD, do Núcleo de Privacidade e Proteção de Dados da Associação Comercial de Porto Alegre e do INPPD. É uma das Speakers do seleto grupo de profissionais da AAA Inovação. Cofundadora da empresa DPO4business, também é especialista em Contratos e Registro de Marcas, atuando no ramo empresarial com consultoria e assessoria. É especialista em Holding Familiar e Rural, atuando na inteligência tributária e proteção patrimonial. E-mail para contato: [email protected]

Comentários