A ovelha mutante foi cantar roque enrow em outro plano

Por Márcia Martins

Ela dizia que preferia ser chamada de padroeira da liberdade do que de rainha do rock. Mas não existem rótulos definitivos e suficientes para definir o que foi Rita Lee no cenário da Música Popular Brasileira, na consolidação do feminismo (sem nunca ter levantado bandeiras), na insistência de que a mulher pode e deve ter prazer (e defendê-lo e buscá-lo), na história de cada um e cada uma que amava essa mutante e teve seus momentos embalados pelo seu som irradiante, sonoro, provocador, rotineiro e simples. Tudo é pouco. As palavras são insuficientes para reverenciar Rita Lee.

A ovelha mutante foi cantar roque enrow em outro plano. Muito antes do tempo. Deixou o Brasil órfão na noite de 8 de maio, aos 75 anos, depois de perder a batalha contra um câncer de pulmão. E nós, brasileiros e brasileiras, ficamos sem a mais completa tradução da roqueira, transgressora, questionadora, intensa, sincerona, a pioneira em tantas coisas, a mãe, a avó, a amante eterna e devotada apaixonada pelo namorado Roberto de Carvalho. Mas, enquanto viveu, sem a menor dúvida, Rita Lee, fez um monte de gente feliz.

Na manhã de terça-feira, ao acessar meu twitter, desabei ao ler a notícia da sua morte, que eu pedia, desde o início do ano, quando o estado de saúde dela foi agravado, para não ocorrer. E tive a certeza que perdemos, sim, a padroeira da liberdade (como ela se nomeou em uma entrevista), a rainha do rock, a mais mutante de todas, a Pagu indignada no palanque, a porra louca, a que arrombava a festa, a que ousou misturar rock com tropicalismo, a que suspendeu os jardins da Babilônia, a que berrava quando pedia silêncio, a irreverente Rita Lee.

Sem medo de errar, com a partida de Rita, o Brasil ficou feio, sem cor, sem graça, sem ousadia. Um País que tem um jornal, como a Folha de São Paulo, que ignora todo o legado de Rita Lee e prefere, ao noticiar a sua morte dizer: "rebelde desde a infância, se deixou guiar por drogas e discos voadores", ficou muito mais careta com a passagem da roqueira.

Contraditória, Rita Lee tinha medo de avião, mas acreditava, sim, em discos voadores. Havia pedido para ser velada no planetário do Parque Ibirapuera, em São Paulo, para onde ela gostava de ir e ficar horas e horas observando o que podia o céu lhe mostrar. Quem sabe um disco voador perdido?

Ela nunca quis nem luxo, nem lixo. Tinha o sonho de ser imortal. E foi. Rita Lee é imortal. E queria saúde para gozar no final e morrer bem velha. Não conseguiu. Mas virou semente e já deve estar bailando muito e bagunçando no andar de cima. Não é da índole de Rita Lee descansar em paz.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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