A primeira aventura

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"O desafio na velhice é ter a coragem de fazer

o que as crianças faziam quando nada sabiam."

Ernest Hemingway.

 

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É um caderno com mais de 100 anos de idade. A capa está gasta e tem apenas 14 páginas, cobertas por uma caligrafia infantil, quase inelegível. São relatos de viagem, escritos por um jovem de 10 anos de idade sobre um passeio pela Irlanda e Escócia. Tem o formato de cartas onde o autor descreve com riqueza de detalhes cenários, vilas e paisagens. O que faz este caderno ser especial é que seu autor nunca viajou pela Irlanda e Escócia. Seu nome: Ernest Miller Hemingway.

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Os críticos que escrutinaram e autenticaram o pequeno caderno dizem que foi a primeira tentativa de Hemingway como escritor. Encontraram sinais precoces de criatividade e de imaginação daquele que seria um ficcionista incomparável. Em 1909, sem ter pisado em terras irlandesas, ele fala sobre cenários e lendas locais, como a de um fantasma que assombra as ruínas de Ross Castle: 

"Quando a luz do dia cai sobre as ruínas, o espectro de O'Donahue retorna à sua tumba".

O jovem escritor menciona ainda a pobreza das áreas rurais, descrevendo casas feitas de pedra e com telhados de palha. E cita a anedota de um porco selvagem "que corria debaixo das mesas" e que os moradores chamavam de "o companheiro que paga o aluguel". Tudo isso, afirmam os pesquisadores, criado por um menino de 10 anos de idade, em sua casa na pequena Oak Park, em Illinois.

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O caderno foi descoberto por Mary Welsh, a quarta esposa de Hemingway, após a morte do escritor em 1961. Ela estava em busca dos originais perdidos da novela 'Paris é uma Festa', que foi publicada em 1964. O caderno de viagens estava no sótão da casa da família Bruce, em Key West, na Flórida. Ao que se sabe, o patriarca dos Bruce, Telly Otto, o Toby, era dono do Sloppy Joe's, o bar que era frequentado por Hemingway. Com o tempo, Toby se tornaria seu segurança, motorista, confidente e companheiro de copo. Do caderno original de 1909 restaram as 14 páginas manuscritas e parte da capa, com um desenho do mapa dos Estados Unidos e do navio que fazia a rota para a Europa. Não se sabe se era um trabalho escolar - ou se Hemingway pretendia inscrevê-lo no concurso literário promovido por uma revista local. Antes de se assumir como escritor, Hemingway ainda trabalharia por anos em um jornal de Kansas e para o Toronto Star, do Canadá. 

Finalmente, em 1925, ele publica 'As Torrentes da Primavera' e no ano seguinte, a novela - e seu primeiro êxito editorial - 'O Sol Também se Levanta', onde revela genialidade em tratar dos temas solidão, tragédia e morte, que seriam marcas constantes em sua vida e obra. 

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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