A saudade é o pior tormento
Por Marcia Martins
Não que eu esteja ficando velha caduca (podem, por favor, abolir de imediato tal hipótese), mas de uns tempos para cá uma saudade de tantos momentos que ficaram para trás tem me assaltado. Sem pedir licença. Sem perguntar se quero lembrar do passado com tom de melancolia. Sem a rapidez necessária a esse tipo de sentimento a fim de não perpetuar a dor do que já foi. Saudade de jogar conversa fora. De relaxar o corpo debaixo de uma sombra qualquer e deixar o pensamento voar. De não ter medo do dia de amanhã. De não ver os boletos se acumularem.
É uma saudade de instantes, de emoções, de sapequices da adolescência, de aventuras amorosas sem pretensão de futuro nenhum. De um tempo em que não se tinha medo da efemeridade do tempo e, por isso mesmo, tudo era viável, permitido, arriscado ou não, sempre valia a pena apostar. Não havia o peso da responsabilidade adulta, do planejamento maduro, do orçamento equilibrado, da emoção contida.
Pequenas cenas vividas com a minha mãe voltam com frequência à minha memória em doses recorrentes e doloridas de saudade. Essa semana, assim do nada, lembrei que mamis Mirthô cozinhava latas de leite condensado na panela de pressão para levar estoque de doce de leite para as férias na praia. E das blusas de lã que ela tricotava igual para filhas e filhas, apenas alternava as cores. Na época, juro que odiava ter que sair de "par de vaso" (já ouviram a expressão né?) com minha irmã. Hoje, a saudade dói latejada até disso.
O fato de sentir saudade do tempo passado não significa, de maneira nenhuma, insatisfação com meu estado atual de vida. Talvez pequenas dores da idade, será? Apenas que quando eu não tinha esse olhar lacrimoso que hoje eu trago e tenho, quando adoçava o meu pranto e meu sono no bagaço de cana do engenho, eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais, como um galo quando havia galos, noites e quintais.
Ando com saudade do tempo da faculdade, na PUCRS, quando todo dia se aprendia algo novo na área de comunicação e mais do que isso, a turma 279 organizava festas, passeios e não tinha tempo ruim para nenhuma programação fora dos estudos. E das festas, das danças, das paqueras, das primeiras experiências no jornal da faculdade, da tensão de cumprir a primeira pauta no estágio obrigatório, de aguardar sair as notas para ver se não iria precisar fazer prova final (não sei como se chama atualmente).
Como descreve o meu amado (mesmo que ela não saiba) Chico Buarque na canção Pedaço de mim: "oh, pedaço de mim, oh, metade afastada de mim, leva o teu olhar, que a saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar".