A simbiose entre imprensa e celebridades

Anelise Zanoni

Depois de tanta notícia ruim sobre a pandemia, os noticiários deram espaço esta semana para a polêmica entrevista do príncipe Harry e sua esposa, Meghan Markle, que falaram sobre os bastidores da vida na realeza britânica. Muito cuidadosa e direta, Oprah Winfrey conduziu a conversa no canal americano CBS como se estivesse conversando com uma amiga. E estava.  

A proximidade de Oprah e Meghan talvez tenha sido um dos principais fatores para a entrevistada abrir o coração e deixar claro que estava exausta de viver as regras da família real. Além de declarações chocantes como a preocupação com o tom de pele do bebê, o casal confirmou que a família real é, na verdade, uma empresa, que precisa manter a reputação em alta, mesmo que isso custe caro.  

O fato de uma família atuar como uma empresa (the firm, como eles falam) exige que os "funcionários" trabalhem e atuem conforme as regras. Neste trajeto, não há espaço para erros e fraquezas. Não dá para ficar triste e pedir ajuda.  

Outro fator que chama a atenção é a relação simbiótica entre empresa e imprensa. Os tabloides britânicos, que há anos acompanham a vida da família real, se alimentam do dia a dia da "firma". Precisam saber seus passos, suas fraquezas e vitórias. Por outro lado, a família comandada pela rainha Elizabeth II precisa dos tabloides para manter a aparência e para oferecer entretenimento ao público.  

Quando ouvi o desabafo do casal durante a entrevista foi inevitável: lembrei da tristeza nos olhos de Lady Di em diversos momentos registrados pela imprensa. E, quando sabemos qual foi o desfecho, é assustador e compreensível que o casal tenha medo de um final infeliz.  

Nesta relação doentia entre tabloides ingleses e família real, não há espaço para a essência do próprio ser humano, que tem suas dores e particularidades. A imprensa parece trabalhar com informações mentirosas, especulações e criação de histórias diversas.  

E o pior: o casal Harry e Meg confirmou que os mesmos jornalistas dos tais tabloides participam de festas em espaços da família real e solicitam regalias. Há uma política de boa vizinhança no meio do caos e da falsidade.  

Como reação à veiculação da entrevista, muitos veículos de imprensa reprovaram o conteúdo das declarações. Alguns jornalistas foram demitidos e outros atacaram o casal. 

Na verdade, não dá para dar credibilidade a este tipo de jornalismo fofoqueiro, mentiroso, oportunista e sensacionalista. Bom, podemos trazer pra nossa realidade algumas situações semelhantes: tem muita celebridade no Brasil que vive de aparências, convida jornalistas para festas, passa notícias em primeira mão. E muito jornalista que depende dessas "amizades" para sobreviver e para trabalhar. Fazer relacionamento com a imprensa é diferente de participar de um jogo de interesses. O ciclo vicioso entre imprensa e fonte existe em todos os lugares - e de todas as formas. Precisamos estar atentos!

Autor
[email protected] Mestre e doutora em Comunicação Social, a jornalista é CEO da Way Content Agência da Comunicação, especializada em turismo, gastronomia e estilo de vida, e fundadora do projeto Travelterapia, que divulga destinos, experiências e cria projetos de branded content. Em 2019 foi finalista da categoria Imprensa do Prêmio Nacional de Turismo, promovido pelo Ministério do Turismo. Tem experiência como repórter e editora, e é freelancer de publicações como Viagem Estadão e Veja Comer & Beber. Trabalhou 12 anos na redação do jornal Zero Hora e produziu conteúdos para veículos como Sunday Independent, Hola!, Contigo!, Playboy, Veja, Globo.com e Terra. Também atuou por 10 anos como professora de universidades como Unisinos e ESPM, passando pelos cursos de Jornalismo, Relações Públicas e Produção Fonográfica. Atualmente pesquisa o papel da imprensa no desenvolvimento do turismo e já estudou em países como Irlanda, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos.

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