Abaixo a cultura do estupro

Por Márcia Martins

A quarta-feira, 20 de março, tornou-se um dia muito importante, mas de duplo significado, na luta para terminar com a cultura do estupro. Decisão do STJ, por maioria de votos, determinou que o ex-jogador Robinho deverá cumprir a pena de estupro imposta pela justiça italiana no Brasil. E cumprirá os nove anos, conforme a condenação italiana, em regime fechado. Mas, por outro lado, o jogador de futebol Daniel Alves, que pegou uma pena pequena e vergonhosa de quatro anos e meio pelo estupro de uma mulher em uma boate em Barcelona (Espanha), ganhará liberdade provisória mediante o pagamento de uma fiança.

A cultura do estupro, que inclui um conjunto de comportamentos e ações que toleram e normalizam o estupro contra mulheres, está tão enraizada na nossa sociedade, que, no mesmo dia comemoramos uma decisão justa de colocar um estuprador na cadeia e lamentamos o relaxamento da prisão de outro homem pelo mesmo crime. Lugar de estuprador - seja ele de qualquer classe social, etnia ou profissão - é na cadeia. E se a pena de um crime é o pagamento de uma multa/fiança, podemos supor que a lei é feita apenas para punir os pobres, que jamais terão recursos financeiros para sair da cadeia.

O crime de Robinho ocorreu em Milão, em 2013, quando na companhia de seu amigo Ricardo Falco e outros, participou de um estupro coletivo violentando uma jovem de origem albanesa. Como é comum o agressor negar, num primeiro depoimento, Robinho havia admitido "apenas" ter feito sexo oral com a vítima. Mais tarde, ao interceptar ligações telefônicas entre Robinho e Falco, a justiça italiana encontrou descrições explícitas da cena do abuso e condenou o atacante e seu amigo a nove anos de prisão. Como ele retornou para o Brasil, a pena ainda não tinha sido executada.

Esta reversão no caso Robinho é de fundamental importância para que as mulheres em todo o mundo se sintam acolhidas e amparadas sempre para denunciar todo e qualquer tipo de violência sexual. Não importa se usava uma roupa provocadora, se abusou da bebida, se lançou um sorriso sensual, se deu a entender que desejava. O que importa é jamais esquecer que sexo sem consentimento é estupro. Que estupro é crime. E que estupradores merecem sim estar na cadeia. E, mais uma vez, que não é não!

Já a liberdade provisória concedida ao Daniel Alves, desde que ele pague o valor de um milhão de euros, equivalente a R$ 5,4 milhões, e que deverá sair dos bolsos do pai do jogador Neymar (informação do jornal espanhol "La Vanguardia" e confirmada no site da IstoÉ), pode tornar ainda mais instável a carreira de Neymar e a sua vida particular tão repleta de episódios escandalosos. Afinal, ele estará ajudando um homem que estuprou uma mulher, estendendo a mão para um criminoso e reforçando, num pensamento patriarcal ainda vigente, que alguns milhões pagam a dignidade de uma mulher.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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