Afinal, por que a bola não entra?

Por Rafael Cechin

Clichês fazem parte da vida. Sou contra a maioria deles. Mas um me representa: futebol não é só um jogo. Não é mesmo. Todo esporte envolve pessoas, o que envolve emoções, o que envolve o subjetivo, o que envolve necessidade de diferenciação, o que envolve (especialmente nos últimos tempos) pensar como negócio. Na coluna a seguir vamos tratar desse clichê. Portanto, se esqueça que falamos somente de futebol. Vamos mergulhar em uma EMPRESA chamada Clubes.

Para começar, explico o título deste artigo. Refere-se ao livro "A bola não entra por acaso", do atual CEO do Manchester City Ferran Soriano, que na época em que escreveu o best seller era vice-presidente do Barcelona, também ao lado do renomado técnico Pep Guardiola. A obra reforça a importância da gestão para que a bola entre, ou seja, que se chegue ao desempenho e depois ao resultado. Se tudo estiver bem organizado extracampo, vai dar certo dentro das quatro linhas.

Por que a bola não entra? Na dupla Gre-Nal, posso garantir, os atuais comandantes sabem dessa necessidade. Eles tentam. Alessandro Barcellos e Alberto Guerra têm desde os seus planos de mandato propostas para que a governança eleve as chances de títulos a partir de uma boa gestão. No Inter, fiz parte da diretoria executiva por quase dois anos e fui testemunha desta tentativa.

Com pessoas de mercado comandando a estrutura no dia-a-dia os avanços eram nítidos. As crises diminuíram e tudo se encaixava. O problema foi o campo. Eliminações frustrantes e sucessivas fizeram ruir um ótimo planejamento estratégico. Gente de fora da administração, e até quem está nela, dá palpite sobre o que deve ser feito. E não são mal intencionados ou despreparados. São pessoas boas, que amam o clube e querem o melhor. Só que não estão olhando para o negócio todos os dias. Prestam atenção no placar ou em achismos. Para piorar, a política sempre está envolvida. Em ano eleitoral então aparece ainda mais. O profissional cede vaga para o amador. E o círculo vicioso continua, explicando "porque a bola não entra".

As direções se atrapalham quando não operam com governança bem estabelecida. Ninguém sabe quem manda, quem obedece, quem assina, quem resolve. A indefinição chega facilmente ao vestiário. Jogadores que estão continuamente na própria "bolha", na maioria alheios ao que ocorre na sociedade, percebem se o ambiente não é confiável. E acabam perdendo interesse ou deixando de se esforçar ou achando que aquele clube não vai contribuir com suas carreiras (e bolsos). Quando ocorrem rebaixamentos, pode estar certo que a bagunça se iniciou fora dos gramados, muito antes dos jogos. Se houver títulos, nada foi por acaso.

No Brasil a realidade até está mudando, a passos bem miudinhos. As recém chegadas SAFs parecem ser a principal esperança. Parecem, porque não dá para ter certeza. O Botafogo é o mais bem estabelecido em 2024. Funciona como a sua, a minha ou qualquer outra empresa de qualquer ramo. Com um dono que vai ditar os rumos dentro de uma hierarquia bem definida e clara para todos dentro da corporação. O Vasco recuou, o Cruzeiro engatinha, o Bahia está andando, o Bragantino é incógnita. Tem ainda quem não seja SAF mas esteja bem organizado, como Flamengo, Palmeiras e Fortaleza.

Esse último, o Fortaleza, talvez seja o maior exemplo de sucesso nos últimos anos.É gerido com elevado nível de profissionalismo e seu ex-presidente inclusive virou CEO. Essa semana, teremos o time cearense entre nós. Joga contra o Inter em partida recuperada do Brasileirão. O Colorado tem chances de vencer, assim como contra o Cuiabá. Para mim termina na parte de cima da gangorra Gre-Nal mais uma vez essa semana. O problema é alcançar o Fortaleza em gestão. E isso vai muito além do resultado em um jogo. Faz a bola entrar por muito mais tempo.

Autor
Jornalista graduado e pós-graduado em gestão estratégica de negócios. Atua há mais de 25 anos no mercado de comunicação, com passagem por duas décadas pelo Grupo RBS, onde ocupou diversas funções na reportagem, produção e apresentação, se tornando gestor de processos e pessoas. Comandou o esporte de GZH, Rádio Gaúcha, ZH e Diário Gaúcho até 2020, quando passou a se dedicar à própria empresa de consultoria. Ocupou também, do início de 2022 ao final de 2023, o cargo de Diretor Executivo de Comunicação no Sport Club Internacional. Atualmente mantém a própria empresa, na qual desde 2021 é sócio da Coletiva,rádio, e é Gerente de jornalismo e esporte da Rádio Guaíba.

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