Ainda ouvindo ruas

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Minha cidade é feita de luz,

De sóis, de luas, de esquinas, 

   ruas e de lençóis à janela".

Quadrinha popular lisboeta.

 

Uma vez perguntaram ao poeta Mário Quintana onde ele buscava inspiração para escrever seus poemas. A resposta deve ter sido que caminhando pelos bairros de Porto Alegre para lembrar as ruas de sua Alegrete. Em seu primeiro livro, Rua dos Cataventos, o poeta revelava profunda nostalgia por uma cidade imaginária, quase mítica:  

    "Cidadezinha cheia de graça...

     Tão pequenina que até causa dó!

Com seus burricos a pastar na praça... 

Sua igrejinha de uma torre só...".

 ***

Até os prosadores mais convictos se transformam em poetas ocasionais quando escrevem sobre sua cidade-berço. Falam de um cordão umbelical que nos liga à cidade de nosso nascimento. O escritor James Joyce, que também fazia versos, expressou o amor por Dublin: 

           "...Minha jornada vai terminar quando eu chegar onde tudo começou...". 

Uma frase singular que define com perfeição a paixão pelo lugar onde viemos ao mundo. Já o uruguaio Eduardo Galeano via sua Montevidéu por uma lente romântica e sonhadora:  

    " É uma cidade onde as pessoas amam sem se falar e abraçam sem se tocar". 

Ao final de vida, ele saía de sua casa em Pocitos para caminhar pelas ramblas ao longo do Rio da Prata, em busca de inspiração para o livro que deixou incompleto: 

"Caminho pela costa da cidade onde nasci.     

                     Ando nela e ela anda em mim. Enquanto vou, as palavras caminham dentro de mim e vão formando histórias". 

Enquanto isso, Jorge Luis Borges lembrava de uma Buenos Aires que não existia mais:  

             "Nasci em outra cidade que também se chamava Buenos Aires. Recordo o ruído de ferros do portão gradeado.

Recordo os jasmins e o algibe, coisas da nostalgia. Recordo o tempo generoso, pessoas que chegavam sem avisar". 

Uma cidade que pertencia ao passado e agora transformada: 

"Recordo o que vi e o que me contaram meus pais. Recordo as carroças do interior no pó do Once. Recordo o Almacén de La Figura na rua de Tucuma?n". 

 O escritor e filósofo espanhol Fernando Savater em seu livro: "Escritores e seus Lugares Mágicos" empreendeu um roteiro por cidades protagonistas na obra de alguns grandes da literatura. Começou na Praga de Franz Kafka, visitou a Florença de Dante Alighieri, foi à Londres de Virginia Woolf e percorreu as ruas da Lisboa de Fernando Pessoa. Completou a jornada na Paris de Marcel Proust escrevendo: 

       "Nas cidades por onde passei, Eles seriam estranhos visitantes.                 

Lamentando as torres de cimento e as ruas sem alma".

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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