Assinatura fugidia

Por Flávio Dutra

Por alguma razão que Freud deve explicar, volta e meia tenho um bloqueio e não consigo repetir minha assinatura. Documentos importantes tiveram que ser refeitos porque no lugar da assinatura saia um garrancho bem diferente da que constava na carteira de identidade. Certa vez cheguei a treinar em casa antes de ir ao Cartório. Não adiantou. Na hora de assinar uma procuração veio o bloqueio e paguei o mico de fazer uma assinatura nada a ver com a original. 

Hoje, os cartórios até exigem que se registrem nas nossas fichas a assinatura da hora, talvez porque existam outros Flávios Dutra carentes da chamada firma. Ainda bem que o cheque foi praticamente abolido, porque, com certeza, teria várias lâminas devolvidas sob suspeita de falsificação do jamegão

Minha letra não é o que se pode chamar de bonita e quem já recebeu meus autógrafos nos livros está aí para comprovar. Por isso, tratei de simplificar a assinatura e o resultado foi a simulação de um "f" invertido, cortado  por um risco e por uma ligeira ondulação que corresponderia ao sobrenome. Verdadeiro convite aos falsificadores. Pois nem assim, quando vem o bloqueio, consigo passar os quase rabiscos para o espaço onde devo colocar a minha identidade em letra cursiva.

Para futuros contratos pensei em adotar a assinatura digital, que já é aceita desde 2001, não possui prazo de validade e pode ser auditada com facilidade. Mas antevejo bloqueio no crucial momento de cadastrar o garrancho em uma plataforma para esse fim.

Corro o risco, portanto, de virar um S.A.C., um Sem Assinatura Confiável, o que seria revelador de aspectos obscuros da minha personalidade. Estudiosos garantem que a assinatura é como uma autobiografia ou um autorretrato sintetizado, seja lá o que isso significa e com que base chegam a essas conclusões. E mais: em um autógrafo ficam registrados os principais traços do nosso temperamento, assim como nossos medos e ambições secretas. Uau, tudo isso?!

Pelo visto, sou vítima de um transtorno que precisa ser diagnosticado e, depois, resolvido. Seria um TOC, Transtorno Obsessivo-Compulsivo ou outro desarranjo comportamental, tipo Transtorno da Assinatura Fugidia, um perigoso TAF? Será que é contagioso?

Sei lá, acho que nem Freud explica. Só sei que quero minha assinatura original de volta. 

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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