Causos

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Depois de uma ou duas horas de conversas, aquele velho peão - cujo nome não lembro mais - costumava retornar ao assunto de sempre: antigos causos de assombração. Então era a hora de mandar a gurizada para a cama e avivar o fogo-de-chão. Os homens da roda já conheciam de-cór-e-salteado as estórias do velho, mas não se importavam de ouví-lo repetí-las tantas vezes. Afinal, era um jeito de se passar o tempo enquanto o sono não chegava. 

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Alguns daqueles contos ficariam guardados por longos anos no nosso imaginário e nos pesadelos de cada um daqueles rudes homens. Às vezes, não passavam de meras lendas antigas, mas tisnadas com as cores de muita imaginação. Nos relatos do velho peão, os personagens pareciam adquirir vida, rostos e vozes. E mesmo quando nos mandavam dormir e os lampiões eram apagados, ainda podíamos ouvir a voz rouca do velho, como um distante som do passado que desaparecia à medida em que o sono chegava. E às vezes, uma daquelas estórias calava fundo e seria depois repetida em outras rodas-de-fogo outras paragens, outras freguesias.

Como o causo de um tal de Verguero, conhecido domador de cavalos que possuía um dom muito especial - ele sabia como amansar cavalos apenas com um toque de sua viola. E quando os homens sacudiam a cabeça, sorrindo de lado, em desaprovação e incredulidade, o velho peão fazia uma pausa, antes de contar do triste fim do domador Verguero. 

Aquilo conseguia fazer com que aqueles homens calejados na vida no campo ficassem silenciosos e pensativos. E ouviam atentos que, em um certo inverno de agosto, um violento vento sul subiu pela Lagoa dos Patos e ondas varreram a Ponta Branca, arrastando dunas e o casebre onde Verguero morava. Quando a água baixou, apenas se ouvia o som do vento, um assovio agudo que parecia imitar o som da viola do domador afogado. 

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Mas haviam outras estórias menos assustadoras que os adultos repetiam sem medo. Em uma daquelas noites, quando o minuano soprava forte, o velho peão, depois de cevar o mate, perguntou quem conhecia como surgiu a Lagoa Colorada, um lugar meio-assombrado na fronteira com a Argentina. Se conheciam muitas versões, cantadas de casa em casa pelos payadores nas festas dos Três Reis Magos. Mas o velho peão garantia que só ele conhecia a verdadeira estória, tal como ouvira em seu tempo de guri. 

Tudo teria se passado há uns 300 anos, na época dos Povos Missioneiros. Foi no tempo em que os bandeirantes de Piratininga vinham até o Sul caçar índios guaranis para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar.  Para proteger os índios, os missionários montaram caravanas até a Missão de San Ignácio, do outro lado da fronteira da Argentina. O que não dava para carregar nas carretas, era queimado ou enterrado, para que nada ficasse para os caçadores de escravos. Pois aconteceu que em uma das caravanas havia uma grande carreta, puxada por cinco juntas de bois. Estava carregada de castiçais, candelabros de prata e patacões de ouro, trazidos da Espanha. Era um tesouro precioso, mas pesado demais para subir as altas barrancas de terra vermelha do Rio Uruguai. Enquanto as carretas mais leves davam a volta para chegar onde as balsas esperavam para a travessia, a carreta com o tesouro atolou nas margens de uma lagoa. Os padres então desatrelaram os bois, mandaram os índios jogar a carreta e sua preciosa carga no mais profundo da lagoa.

E segundo reza a lenda, os padres então mataram os índios carreteiros   e atiraram os corpos na lagoa, para que não revelassem o paradeiro do tesouro. 

E naquele dia, as águas da lagoa misteriosamente se tingiram de vermelho. E até hoje, a Lagoa Colorada está lá, junto as barrancas de terra vermelha, guardando em suas profundezas o tesouro dos padres missioneiros.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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