Cheiros do outro dia
Por José Antônio Moraes de Oliveira
"O passado é um planeta que inventamos".
Orhan Pamuk.
Aquela era uma tarefa que eu cumpria com inconfessado prazer. Ir até a padaria do bairro comprar o pão nosso de cada dia. Quando dobrava a esquina da Vasco da Gama com a Fernandes Vieira, já sentia o cheiro perfumado dos pães saindo do forno na padaria dos Zorattos. E antecipava o prazer de logo mais, ver no prato as fatias do pão italiano barradas com manteiga.
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Escritores de renome nos presentearam com reflexões sobre as armadilhas e artimanhas da memória afetiva. Nos dizem que a cada momento, um determinado som ou um vago perfume pode desencadear lembranças de dias passados e já esquecidos. O argentino Jorge Luis Borges escreveu que, embora tentemos ignorar o passado, ele permanece vivo e pronto para voltar a qualquer hora, mesmo sem ser provocado.
Basta um gesto ocasional, uma frase solta no ar ou um certo rosto na multidão anônima para acionar a intrincada máquina da memória. Comigo acontece, quando menos espero - sons, ruídos, aromas, perfumes, cheiros que despertam o caleidoscópio de antigas venturas e desventuras. Mais além do cheiro de pães frescos, um gatilho frequente é um tilintar de copos de vidro na cozinha de casa. No mesmo instante me voltam o som das garrafinhas que o leiteiro Arnaldo depositava com carinho nas portas e portões do antigo bairro. Mas a vida corre, as rotinas mudaram, o leiteiro morreu e entregas de porta-em-porta são coisas do passado.
Mas outros sons, perfumes e cheiros estão se desvanecendo lentamente no repertório das emoções. Como o som dos cascos de cavalo em uma estradinha de terra, o pio de coruja em uma noite estrelada de verão, o cheiro de grama recem-cortada na praça onde brincam meus filhos. Hoje, as estradinhas de terra estão asfaltadas, corujas-de-mato foram extintas e as crianças cresceram e não correm mais ao redor da Praça da Matriz.
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Conheci um professor que se apaixonou - indevidamente, claro - por uma de suas alunas. Para ele, a mocinha exalava um doce perfume, que nunca sentira antes. O caso acabou na polícia e o sizudo professor foi transferido para uma escola distante. Mas não desistiu de seu sonho e às vezes, ficava de olhos olhos fechados, aspirando o doce perfume pelo qual se apaixonara.
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