Circo de horrores no país que dorme em berço esplêndido

Por Márcia Martins

Duvido que alguém com um mínimo de preocupação com o futuro do Brasil esteja passando bem desde a sexta-feira, 22 de maio, depois das 17h, quando foi conhecido o conteúdo da reunião ministerial do dia 22 de abril. Nela, segundo o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, havia a prova de que o presidente Jair Bolsonaro tentava intervir na Polícia Federal. Mais do que os indícios que Moro alegava da intromissão do presidente nas trocas da Polícia Federal, o que o vídeo da reunião mostrou nunca foi visto antes na história deste País. Inabilidade política, festival de palavrões, desrespeito à Constituição, ameaças de morte às autoridades do STF e prisão de governadores e uma prepotência que beira à loucura do Chefe da Nação.

Os que não foram responsáveis pela eleição de Jair Bolsonaro, nos quais eu me incluo cada dia com um orgulho maior, já sabiam que o despreparo é uma das características negativas mais marcantes do capitão do Exército Brasileiro. Mas confesso jamais imaginei que este defeito se faria tão saliente na condução de uma reunião ministerial.  Bolsonaro mostrou que ele é bem pior do que muitos arriscavam pensar. É uma pessoa sem condições de compreender até onde vai o seu poder (se acha superior a todos), que utiliza sem necessidade palavrões, que interrompe as entrevistas com a imprensa a todos momento naquele ridículo cercadinho toda vez que não gosta da pergunta, não tem educação e escolheu pessoas para a sua equipe que seguem o seu perfil.

Juro que nem mesmo em reuniões de condomínio, daquelas em que os proprietários estão cansados de tantas chamadas extras, brigas no prédio e destoam das decisões do síndico, ocorrem tanto desrespeito, falta de noção e descaso com as autoridades. Bolsonaro e seus ministros, que no início do governo pareciam uma versão piorada dos Trapalhões, protagonizaram um circo de horrores, um show de impropérios, um festival de desaforos, um amontoado de ameaças que, segundo o ministro do STF, Alexandre Moraes, apresenta pelo menos indícios de seis crimes. Por isso, o ministro da Educação, Abraham Weintraub tem um prazo de cinco dias para explicar as ameaças de morte feita aos colegas de Moraes e aos seus familiares.

A ministra Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, aquela que viu Jesus na goiabeira, além de criticar duramente governadores e prefeitos por medidas para o enfrentamento à pandemia da Covid-19, disse que poderia mandar prender tais gestores. "A pandemia vai passar - disse ela - mas nós vamos pedir inclusive a prisão de governadores e prefeitos". Este monte de barbaridade ditas pelos ministros do capitão foram proferidas no meio da pandemia da Covid-19, em que o Brasil fechou a terça-feira (26) como o País com mais óbitos pela doença em um dia, registrando 1.039 mortes em 24 horas. O que também não deve preocupar muito o Chefe da Nação, que trocou duas vezes o ministro da Saúde no furacão da doença (uma gripezinha não é?) e a pasta agora é comandada por um interino militar (será?).

Teria mais para comentar sobre esta reunião que poderia ser tudo menos uma reunião ministerial, chamada para apresentar um plano de recuperação econômica para o País. A fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao sugerir aproveitar o "alívio" da imprensa, muito focada na cobertura do Coronavírus, para a adoção de reformas infralegais de desregulamentação e simplificação. Quanta responsabilidade. Quanto oportunismo. Ou o todo poderoso ministro da Economia, Paulo Guedes defensor de "vender a porra do Banco do Brasil logo", e para quem o recurso público só deve ser usado para salvar as grandes empresas, porque "não dá para perder dinheiro salvando empresas pequenininhas".

E por que eu fiquei com ânsia ao ver o vídeo da reunião ministerial? E por que eu tive náuseas e acordei em intensa depressão na manhã de sábado, um dia depois de tais revelações do vídeo? Simples. Porque eu sabia que Bolsonaro era racista, homofóbico, violento, a favor da tortura, que não respeita mulheres e é preconceituoso com a população LGBT, que pratica nepotismo, que fez cena com a tal facada para não participar de debates e mostrar seu despreparo e que paga robôs para abastecer o país de fake news. E por tudo isso, inclusive, e muito mais, eu não votei nele. Mas pensei que seus eleitores poderiam ficar um pouco decepcionados ao ver ele desempenhando o seu pior papel, o de ser humano desprezível. Só que, infelizmente, eles sabiam exatamente em quem votavam. E daí?

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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