Coluna dela

Por Luan Pires

Fui forçada, aqui estou. Fui forçada a dizer que fiquei honrada em ganhar esse espaço. Quando o Luan disse que essa coluna seria toda minha, pensei: tem coisa aí. Nos conhecemos há 32 anos, mas nossa relação se baseia em dúvidas, inseguranças e palavras de péssimo gosto que prefiro não proferir aqui. Não é que eu não me sinta feliz em ter um espaço para falar do que eu quiser, mas sim porque sei que vocês, humanos, não vão entender. Como trabalhadora cansada de dia a dia, eu não tenho tempo a perder, muito menos com quem vê em mim o desencanto das suas metas, a realidade que não se concretizou, o amargo inesperado daquela bala que parecia tão deliciosa ou a palavra que você não queria ouvir, mas, "ta-nã", ouviu. 

Vocês se esquecem que eu também sou o "eu te amo" inesperado, a mensagem que veio do nada de quem sumiu faz tempo, o elogio sincero que vem com reconhecimento, a autoestima que se movimenta junto com seus cabelos perfeitamente arrumados bem naquele dia que você tem uma reunião importante... Eu sou imprevisibilidade e vocês têm medo disso.

Não, não vou  ficar aqui filosofando com quem não me valoriza. Com que lida comigo com a imprudência de um bebê que acabou de descobrir que sabe andar. Estou aqui, neste primeiro dia de coluna, para falar de uma coisa em específico. Uma coisa que eu preciso falar porque depois disso, com toda certeza, o Luan vai surrupiar meu espaço por punição (e desculpem se às vezes eu misturo termos antigos com palavras novas, é que para mim, o tempo não existe). O Luan é apaixonado pelo comportamento humano, o que eu acho estranho, já que vocês são de uma simplicidade absurda: em escala, para mim, vocês não passam de formiguinhas andando em fila. Mas, confesso que olhando com uma lupa, eu, às vezes, entendo essa fascinação. 

O Luan, que aqui vou chamar de humano 9543 (porque para mim, ele é só um número aleatório, mesmo) estava lendo sobre como o trabalho remoto mudou o hábito dos trabalhadores. O humano 9543 leu que as pessoas estão repensando os espaços de trabalho, dos quais se exige muito mais do que mesas e cadeiras: espera-se que eles tenham estrutura para reuniões híbridas (79%), ergonomia (63%), espaços para descanso e interação (385). Esse último ponto chamou atenção dele porque, conforme ele pensou (sim, eu leio os pensamentos dele), antes, os escritórios eram considerados um espaço físico para desempenhar determinadas atividades, hoje são espaços de conexão e desenvolvimento humano para 97% dos profissionais. (Os números são do levantamento 'Para além da revolução do híbrido: o paradoxo do trabalho flexível na América Latina', fruto de uma parceria entre WeWork e Page Outsourcing.)

CO-NE-XÃO. Como formiguinhas que se mantêm em linha seguindo o feromônio uma da outra, os humanos também são assim. Precisam trocar para achar traços em comum. Mas o que eu vejo (e olha que eu vejo tudo) são relações baseadas em egos, cargos e salários. Vocês falam do tempo (como se não fosse culpa de vocês essa repentina mudança), vocês falam de outros, vocês chegam a falar sobre o ar-condicionado, mas vocês não falam sobre vocês. E vejam bem: não que vocês sejam tão interessantes assim, eu mesmo trato vocês como números aleatórios, mas eu sou como uma tutora que já desistiu de cuidar de todo mundo e só torce de longe para ninguém morrer. 

Pergunto: vocês sabem como foi que os seus colegas de trabalho conheceram a pessoa que amam? O que eles gostam de fazer quando não estão trabalhando? Qual é o doce favorito dele ou aquele apelido de infância que ele odiava, mas que serviu de estímulo para superar seus traumas e ser uma pessoa melhor? Não existe tecnologia no mundo que aproxime humanos de humanos. Porque aproximação não é algo ligado a comunicação, é algo ligado a conexão. Quando você cria um ambiente de conexão, você começa a entender que vocês são meros, pequenos, coitados, pobres, sem sentido, perdidos no meio de egos e vaidades (talvez eu tenha exagerado aí, né? Alguns não são pequenos, preciso ser justa. Jogadores de basquete, por exemplo). Ao invés de ver crachás e cargos, quando se vê humanidade, você de fato constrói histórias e não tarefas.

Olha a ironia, eu ensinando humanos a serem mais humanos.

Mas é o que eu sempre digo. Humanos são tão insignificantes que se tornam absolutamente livres. As amarras que vocês criaram são apertadas por vocês mesmos. Não botem a culpa em mim. Eu observo e faço anotações, ofereço as peças e digo: hora do jogo. O resto é com vocês.

Era isso. Se Luan deixar eu voltar semana que vem, talvez esteja de melhor humor. Ou não. Quem sabe. Como eu falei, meu maior charme é ser imprevisível.

Com amor, Vida.

 

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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