Confesso: eu assisti ao BBB

Por Flávio Dutra

Cansado de implicar com o BBB decidi que era hora de assistir à atração televisiva que confina um bando de subcelebridades, mexe com milhões de brasileiros e infesta a programação noturna da nossa principal rede de TV.  Essa abertura já dá conta do meu olhar preconceituoso sobre o BBB, que se confirmou, ou melhor, se reforçou com a espiada a que me submeti. 

Conferi uma parte noturna e outra à tarde. Foi uma amostra de cerca de 1h15, ou preciosos 1h15 perdidos para constatar que o que muda de um espaço para o outro é a edição dos piores momentos no programa noturno. De resto, o que se vê é a mesma trupe de homens e mulheres, a maioria jovens, que se consideram ungidos por forças superiores (e a Globo é uma força superior, ainda poderosíssima) por serem chamados a participar da "casa mais vigiada do Brasil". Lá, mediados pelo animado bom moço Tadeu Schmidt, registram-se as intensas movimentações debaixo dos edredons, festas e festas, muitos merchandisings, faniquitos, choradeiras, manipulações, invejas dissimuladas e traições explícitas nas conspirações permanentes de um grupo contra outro, e de uns contra  outros. É o ambiente e o cenário onde  ocorre o que seria o objetivo de todos, a disputa do prêmio nada desprezível de R$ 1,5 milhão, embora não seja reajustado desde 2010. Mas acredito que a maioria já se contenta com os 15 minutos de fama proporcionado pelo programa, o que abre portas para outras oportunidades. Fiquei, ainda, com a impressão que esta edição deixa a desejar no quesito caldável do naipe feminino, aumentando minha má vontade. 

O mais impressionante é que tem gente que torce pelos participantes, tratados por sisters e brothers pela mídia descolada. Cada programa gera um conjunto de matérias nos portais de notícias (sic) e muitas polêmicas, ainda mais quando ocorre uma maluquice como a de uma sister, que agrediu outra com um balde e acabou expulsa da casa. O episódio virou o que costumo classificar como Nova Mãe de Todas as Batalhas, de prós e contra a agressora, que atende pelo singelo nome de Maria. Até uma enquete o Uol promoveu.  Maria foi condenada pela maioria. Mais recente, o neto do Silvio Santos teve um chilique, saiu da casa e provocou uma comoção que quase superou a repercussão do avanço das tropas russas na Ucrânia. A manifestação do namorado dele foi tão aguardada como os pronunciamentos do Putin e do Biden. Tá certo, exagerei, mas o BBB merece.

Reconheço a força do produto BBB, que fatura quase R$ 700 milhões em publicidade, o equivalente a mais de 70% do gasto anual da Globo com sua folha de pagamento. Com isso alcança em 2022 o recorde de receitas, enquanto a despesa é infinitamente menor do que as das novelas, por exemplo, que exigem grandes equipes e altos cachês para os artistas. Desde sua estreia o BBB tem sido onipresente nas redes sociais, sempre no pódio dos trending topics do twitter e líder de buscas no Google, incluindo as minhas pesquisas que sustentam estes dados.

O BBB é exatamente isso: mais do que um reality show e um espaço de entretenimento, é um grande negócio, uma eficaz caixa registradora.

Por isso, me poupem das teses acadêmicas que tentam transformar o BBB em algo cult, no qual a dinâmica do programa e seus participantes seriam uma representação do universo maior aqui de fora. Não, não são.  Ou não deveriam ser. Com todas as suas mazelas e imperfeições, a população não é tão sem noção, nem tão superficial assim. Ao contrário, a grande massa - estamos falando de Brasil, evidentemente, porque o BBB é uma atração mundial - não gasta seu dia em frivolidades, mas na luta diária pela sobrevivência e por uma vida mais digna, sem um monte de câmeras para registrar tudo. Só que me jogam na cara que o BBB é recordista de audiência, com mais de 32,5 milhões de espectadores diariamente, movimenta milhares de ligações em cada votação, vende o pay-per-view pra caramba aos voyers desocupados, indiferente à vida que segue seu curso natural, cheio de altos e baixos aqui fora. Mais escapista do que o tal de metaverso.

Como e por que ocorre essa desconexão entre reality show e vida real? A coerência não é meu forte, por isso passo a bola para a resposta aos pesquisadores em Comunicação, os mesmos que se esmeram na exaltação do BBB e de seus predicados.

Já eu antecipo o que vou escrever sobre o próximo BBB: não vi e não gostei. Aí serei coerente.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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