Coojornal 88 - Uma conquista material
Por Vieira da Cunha
O dia a dia da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre era um eterno aprendizado, e já com dois anos nosso empreendimento coletivo estava editando 17 publicações, entre próprias e para terceiros. Ali nos conscientizamos de que um período de crescimento exigia uma organização cada vez mais afinada e complexa, o que envolvia o cuidado para com aqueles jornais, boletins e revistas que eram produzidos para diferentes entes, entre eles sindicatos, cooperativas agropecuárias e empresas privadas. Acreditávamos que não era seguro depender de outras empresas gráficas, e mais, que não havia em Porto Alegre uma organização capacitada para prestar com eficiência os serviços integrados que a Coojornal exigia.
Foi a partir desse entendimento que a cooperativa elaborou um projeto para aquisição de equipamento de fotocomposição e fotolito. O caminho que nos pareceu óbvio para procurar financiamento levava ao Banco Nacional de Crédito Cooperativo. Para apresentar o pedido, Jorge Polydoro, associado que exercia também a função de Diretor Superintendente, e eu fomos a Brasília, então uma cidade ainda em formação, com ruas empoeiradas e uma precariedade desgastante na prestação de serviços em geral. No BNCC fomos recebidos por um diretor que nos surpreendeu com uma conversa gentil e atenta, curioso para saber pormenores daquele empreendimento inovador no meio cooperativista. Nossa surpresa aumentaria ainda mais ao saber que era primo do general Ernesto Geisel, então presidente da República, para quem inclusive fazia a declaração de Imposto de Renda.
O diretor, ali vestindo o uniforme de um profissional de área técnica, gostou de nossa argumentação, embora corresse o risco de soar como levemente elitista. Lembramos que, como jovens profissionais assalariados, não tínhamos bens físicos, como um agricultor sócio de cooperativa de produção, mas uma espécie de bem intelectual, qual seja, nosso conhecimento e saber, que nos acompanhava onde quer que estivéssemos. Não há certeza se este argumento foi minimamente convincente, mas ao mesmo tempo apresentamos uma garantia bastante objetiva: as centenas de notas promissórias assinadas pelos associados quando de sua integração à cooperativa. (A um eventual leitor mais jovem, esclareça-se que nota promissória é um documento de pagamento, pelo qual o emitente promete pagar determinado valor ao beneficiário. O emitente, aqui, é o associado à Coojornal: beneficiário, a própria cooperativa. É um documento simples, que não exige nenhuma burocracia.)
Convencido o banco e aprovado o pedido de financiamento, o que aconteceu de uma forma incrivelmente rápida, partimos para a histórica aquisição. Eram equipamentos que provocariam sorrisos irônicos hoje, um computador denominado Compute II, da empresa Compugraph, e um teclado/perfurador capaz de produzir 60 linhas por minuto. Os comandos digitados no teclado eram reproduzidos em uma tira de papel fotográfico.
Naquele momento, significava uma revolução técnica espetacular, que representou também uma pequena revolução no sistema de trabalho, com os desafios que isso apresentou. Tratava-se não só de administrar e gerir um departamento industrial, mas de encarar aquele novo momento, em que jornalistas passaram a ser patrões de funcionários contratados por CLT.
A aprovação ao nosso pedido de financiamento provocou uma alegria indescritível entre os principais personagens desta iniciativa. Anos depois, em um encontro de antigos integrantes da cooperativa, Paulo Sá, que fora gerente do núcleo industrial, relembraria com incontido entusiasmo:
- Eu me criei na Zero Hora e vim pra cooperativa. No meu segundo dia de trabalho, o Polydoro chega e me abraça e diz: "Conseguimos o financiamento para comprar os equipamentos gráficos!". Aquilo me chocou. O que isso, o patrão? Era estranho para mim, que vinha daquela relação patrão de um lado, funcionários de outro.
Paulo tinha razão em estranhar aquele comportamento de seus "patrões". E os dias que se seguiriam marcariam muitos momentos inesquecíveis.