Coopítulo 75 - Dentro de uma conspiração

Por José Antonio Vieira da Cunha

Cerca de um ano antes da bombástica reportagem sobre os Tupamaros (registrada na coluna anterior) e das ilações orquestradas pelos agentes da ditadura, Jorge Polydoro, então superintendente da Coojornal, passou a defender a ideia de que deveríamos manter contatos com algum expoente do governo federal ou mesmo um líder militar para levar nossa posição. Recordaria mais tarde:

-  Queríamos convencê-los de que nós só éramos perigosos porque éramos jornalistas, e que, sem nenhuma onipotência juvenil, tínhamos a total convicção de que estávamos certos. O país é que estava errado.

Da ideia, partiu-se para a ação. Na condição de presidente da Cooperativa dos Jornalistas, fui a Brasília, em audiência oficial com o secretário de imprensa do governo, coronel Rubem Ludwig, amigo e confidente do presidente Geisel. Quase simultaneamente, Polydoro foi ao Rio de Janeiro para uma visita, mantida sob sigilo durante anos, ao marechal Cordeiro de Farias, figura destacada no Exército, ex-integrante da Coluna Prestes. 

O encontro foi no escritório da empresa de seu filho Osvaldo, na Avenida Rio Branco, onde Polydoro chegou pontualmente às 15h de uma terça-feira de 1977. A conversa transcorreu em um clima surpreendentemente amável, com o marechal desde o início dizendo que, embora o visitante imaginasse que aquela conversa era importante para a cooperativa que representava ali, era na verdade tão ou mais importante para ele, então dedicado, sem delegação ou orientação de ninguém, a tentar convencer o maior número de pessoas, especialmente as que faziam oposição ao governo, que o projeto de abertura política - "lenta, gradual e segura", como prometia Geisel - era pra valer.

Polydoro lembra que já no início do encontro, quando se esmerava para falar sobre os objetivos e características do trabalho da cooperativa e a perseguição danosa de que éramos vítimas, foi aparteado gentilmente pelo interlocutor:

- Eu já sei de tudo, está havendo um grande equívoco. 

O militar fez questão de ressaltar que não concordava com a perseguição que estava em processo. Polydoro contou depois os detalhes da conversa:

-  Ele deixou claro que teve acesso a informações sobre o que fazíamos e sabia bem o que estava acontecendo. O marechal falou longamente, explicando que a intenção do grupo dentro do Exército com que ele se identificava, e estava no governo, era fazer a transição democrática, mas que os problemas ainda eram muitos, tanto de um lado como de outro. Esta era a razão da estratégia das etapas, permitindo mudanças sem maiores riscos ou traumatismos. Disse que ainda era essencial para o processo a eleição de um militar identificado com a abertura e que fosse profundo conhecedor de todos os mecanismos internos de poder.

A preocupação principal estava focada na estrutura e nos segredos da comunidade de segurança, cuja desmontagem era identificada como um dos mais graves obstáculos para a redemocratização. No detalhamento da conversa, Cordeiro de Farias deu uma informação privilegiada: o general Figueiredo era considerado o nome ideal para o momento, o que acabou se concretizando, com o general João Batista Figueiredo governando de 1979 a 1985 e sendo o último militar na presidência.

A conversa terminou com um pedido insólito, que Polydoro passasse para os colegas que a abertura democrática que se ensaiava ali era uma realidade e que qualquer radicalização só conduziria ao fracasso da estratégia. Ao retornar a Porto Alegre, o superintendente da Coojornal detalharia, ainda cuidadoso, mas consciente da importância do momento que vivera:

- Lembro bem como me senti ao sair daquele encontro. Afinal, eu tinha estado com um militar identificado com o período autoritário e que falava de um futuro com eleições e liberdade. E ainda me pedia, não só que acreditasse nele, mas o ajudasse a convencer os outros. Era uma sensação estranha. Talvez eu fosse uma das primeiras pessoas no país a saber de muitas coisas ditas ali, com o desafio de escolher a forma de passar isso adiante. Fui para o hotel desconfiado de que estava envolvido numa conspiração democrática.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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