Coopítulo 76 - Zélia e os Tupamaros

Por José Antonio Vieira da Cunha

Contei aqui o episódio que nos intrigou com o Serviço Nacional de Informações, o detestado SNI. Havia iniciado uma investigação sobre um suposto relacionamento da Cooperativa dos Jornalistas com os Tupamaros, o movimento guerrilheiro marxista-leninista uruguaio, originalmente denominado Movimento de Liberação Nacional, a partir de uma reportagem publicada em novembro de 1978. Estourou como uma bomba no meio político e era um verdadeiro furo jornalístico, pois os Tupas não se manifestavam publicamente há quatro anos, recusando-se a dar entrevistas mesmo para os principais jornais da época. Romperam o silêncio em uma conversa de cinco horas com a associada da cooperativa Zélia Leal, jornalista que iniciara sua carreira nas redações de Porto Alegre e vivia há anos em Paris, onde foi dada a entrevista.

Zélia registrou na reportagem que o resultado do encontro gerara surpresa e frustração: surpresa para quem esperava o anúncio de novas ofensivas revolucionárias, frustração para os defensores da luta armada que veriam os ex-guerrilheiros falando de eleições e democracia como velhas raposas políticas.

Hoje, mais de 40 anos depois, recompensa saber que a entrevista fora uma demonstração evidente do prestígio que o jornalismo exercitado pelo Coojornal assegurava junto a um público leitor influente. Zélia faz agora um relato mais detalhado e rico em seus pormenores sobre as razões que levaram os Tupas a se abrirem para um jornal alternativo do Rio Grande do Sul. A partir daqui, é ela quem conta:

Os Tupamaros e eu

"O contato com alguns líderes do MLN - Tupamaros, nos anos 1970, na França, aconteceu por um conjunto de circunstâncias. Éramos todos órfãos de uma América Latina que nos rejeitara por amarmos a democracia. Dominada por ditaduras militares, nossos países despejaram seus filhos que amavam a liberdade e a justiça.

 Assim, conheci alguns dos famosos guerrilheiros uruguaios nos corredores das faculdades ou no bandejão do restaurante universitário de Lyon, onde eu morava nesta época, como doutoranda e correspondente do Coojornal (também fazia frilas para o Estadão). Tive a grande sorte ainda, é preciso confessar, que minha irmã, também estudante em Lyon, namorava um destes rapazes exilados na Europa.

Os ex-guerrilheiros estavam espalhados em várias capitais europeias como exilados (Londres, Paris, Amsterdã, Estocolmo, Bruxelas, Genebra e outros) e recebiam apoio de organizações internacionais para refugiados.

Meu contato com eles se deu principalmente em Lyon, onde eu morava. Tínhamos muita proximidade, mas evitávamos tocar no assunto da guerrilha no Uruguai. O Coojornal estava me pedindo há algum tempo uma entrevista com os Tupamaros, mas eu hesitava porque sabia que isso iria provocar uma memória de sofrimento. Sentia que eram reticentes e eu respeitava seu silêncio. Até que um dia tomei coragem e sugeri aos muchachos uma conversa sobre suas atividades político-revolucionárias. A princípio, eles hesitaram. Pediram tempo para pensar. Pareciam não estar dispostos a mexer no passado. Eram agora jovens (uma média de 30 e poucos anos), instalados em uma rotina de família, muitos casados e com filhos pequenos, todos se esforçando para falar bem a língua francesa carregada de sotaque espanhol. Gostavam de se reunir com amigos para um churrasco de domingo, um mate descontraído, uma rodada de vinho em torno de uma mesa de um bar.

Participei de muitos destes encontros enquanto aguardava a resposta que ficaram de me dar. Finalmente, para minha surpresa, concordaram em falar. Demorei a entender por que eles prefiram falar comigo e não com o Le Monde ou outros jornais que os procuravam com insistência. Na verdade, ao aceitar o convite do Coojornal, eles também tinham suas intenções bem direcionadas. Sendo o Coojornal um jornal gaúcho, teriam mais possibilidades de atingir seu país de origem, o vizinho Uruguai, e passar um recado: queriam voltar ao país e chegar ao poder pelas urnas.

Marcamos uma reunião no meu apartamento em Lyon e, entre um trago e outro, falamos por mais de cinco horas com toda liberdade. Tudo gravado, misturando português, espanhol e francês. Mas havia uma condição: ler e aprovar o texto que seria enviado ao jornal gaúcho. Apenas uma parte foi liberada. Mas fiquei sabendo de muitos detalhes sobre a luta armada deste grupo que servia de modelo para outros movimentos revolucionários. Mas perdi a fita cassete original. E o que tenho ainda é o texto que foi publicado na edição de novembro de 1978 no Coojornal."

(Continua)

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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