Coopítulo 87 - Inspiração
Por José Vieira da Cunha
A Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre serviu de exemplo, já contei aqui, para o surgimento de outra dezena de entidades similares pelo país. Até para uma surpreendente cooperativa de editores. Foi assim: em certo momento de meados de 1976, recebi o convite do escritor Domingos Pellegrini Jr. para ir a Londrina. Era jovem ainda e morava com os pais, um casal simpático que me abrigou com todas as atenções.
Pellegrini era jornalista que um ano depois começaria uma aplaudida carreira como escritor - já com o primeiro livro, a coletânea de contos O homem vermelho, recebeu o Prêmio Jabuti. Queria ouvir a experiência da Coojornal, entusiasmado que estava com a ideia e sonhando em criar uma entidade semelhante como uma alternativa para criar opções de edição de livros menos onerosas do que as praticadas pelas editoras convencionais.
No encontro que tivemos estavam cerca de uma dezena de intelectuais, todos interessados em ouvir a experiência dos jornalistas gaúchos e entender as razões da opção pelo sistema cooperativista. Gostaram do que ouviram, tanto que logo fundaram a Editora Cooperativa de Escritores. Foi a forma encontrada especialmente pelos poetas e contistas para levar adiante seus projetos individuais.
Pellegrini seguiu com sua admiração ao Coojornal, tanto que em maio de 1977 ofereceu-nos um poema inédito. "Na areia de Porto Alegre" faz uma referência à luta entre maragatos e pica-paus, a Revolução Federalista no final do século 19 , e começa assim:
"Aqui compareço, rio Guaíba, com
a mulher mais generosa que Evita Perón
e meu filho que urina em tua boca
inocente igual pato selvagem.
Três brasileiros tontos de viagem,
quatro corações pulando e dando socos
(a mulher está grávida - e o porto
triste e sujo como sua areia)."
Mais adiante, o poema dá uma lição de história, ao lembrar que a tradição ensina que o Brasil é um país de história alegre, porém falsa muitas vezes, como ignorar que no Guaíba "afogaram em silêncio os trinta mil mortos que ninguém estuda".
A frase final mantém uma cruel atualidade, quase cinquenta anos depois:
"Na água boia, vergonhosamente, uma lata."