Covil

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Não há maior pena do que a saudade

das coisas que nunca foram!"

Ricardo Guiraldes, "Don Segundo Sombra".

 

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Havia um velho peão, chamado Fermino, que cuidava das ovelhas nas terras de meu avô. Ele tinha o dom de contar estórias como ninguém. Conhecia muitas lendas dos tempos antigos e até mesmo aquelas que tiravam o sono dos adultos nas noites de ventania. Ao redor do fogão,  arrumando as brasas com o atiçador nos olhava em silêncio e então começava:

"- Era uma vez, um homem que sabia amansar animais com um simples toque de sua viola. Seu nome era João sem Roupa, vestia um poncho preto e só viajava à noite, quando todos estavam dormindo...(...)."

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Ele estava proibido de assustar a criançada com almas-do-outro-mundo, mas eram essas que Fermino mais gostava de contar. Eram também as estórias que mais apreciávamos - mesmo tremendo de medo na hora de dormir. Fermino começava leve, com lendas como a do Negrinho do Pastoreio ou da Salamanca do Jarau. Mas sempre guardava o melhor para o final. Como quando contava o caso do amaldiçoado Covil das Almas, que os mais velhos diziam que não passava de estória-para-boi-dormir. 

Mas quem ouvia o Fermino contar aqueles casos, com a voz pausada e grave, acreditava em cada palavra:

"- Aconteceu em um lugar na encosta da serra, chamado Capão do Leão. Em uma noite de raios e trovões índios charruas atacaram e incendiaram um acampamento dos invasores espanhóis. Os soldados sobreviventes se esconderam em uma caverna nas proximidades. Lá enterraram um baú carregado de dobrões de ouro. E por precaução, também enterraram espadas, lanças e armaduras, para não serem reconhecidos pela indiada. Mas não conseguiram encontrar a saída da caverna e morreram sufocados. A lenda diz que foi uma maldição lançada pelo   pajé dos charruas. Anos mais tarde, chegaram aventureiros e caçadores de tesouros em busca do ouro. Mas todos e cada um deles, ao procurar sair da caverna morreram vítimas da maldição."

Fermino então fazia uma demorada pausa, mexia nas brasas e encerrava:

"- Desde então, o lugar se chama Covil das Almas Penadas. Mas até   hoje de quando em vez, alguém encontra uma moeda de ouro no meio  da mata."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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