Crianças, eu vi

Por José Antonio Vieira da Cunha

Lembro pouco do desfile, mas parece ontem que eu estava no Estádio da Baixada Rubra, em Caxias do Sul, para mais um ato extraordinário da implantação da tv em cores no Brasil. Era 20 de fevereiro de 1972 e a imprensa atraía os holofotes desde a véspera. Naquele dia fora realizada a primeira transmissão de TV em cores com o desfile de carros alegóricos na abertura da Festa da Uva, então em sua 12ª edição, e este então jovem repórter estava lá, junto com o incansável, sempre curioso e competente fotógrafo Floriano Bortoluzzi, profissional com quem fazia dupla na Folha da Manhã.

O feito deve ser creditado à TV Difusora e a dois de seus desbravadores, Walmor Bergesch e José Salimen Jr., visionários que bancaram a ousadia com o apoio dos proprietários da emissora - a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Sustentaram a viabilidade da iniciativa mesmo enfrentando os concorrentes de então, TV Globo e TV Tupi à frente, que não queriam a inovação tecnológica naquele momento. Alegavam que a televisão brasileira ainda não estava madura para o investimento necessário, considerado oneroso demais. A emissora gaúcha começara a operar apenas três anos antes, o que lhe dava a vantagem extraordinária de possuir os equipamentos mais modernos, já adequados para o avanço tecnológico.

Cinquenta anos atrás, o Brasil daquela época ansiava por modernização, mas boa parte de seus usos e costumes sofriam a interferência direta do regime militar, que pautava o que era educativo ou nocivo para a sociedade de acordo com as réguas morais e comportamentais dos censores militares. Ao regime interessava, e muito, que os sinais de progresso fossem os mais explícitos possíveis, daí o interesse do governo na implantação da novidade eletrônica.

O aparelho de TV reinava nas salas de visita, e ainda em 1970, quando da Copa do Mundo que eternizaria a Seleção Canarinho, a tecnologia em preto & branco imperava, mesmo que alguns jogos gravados no México fossem exibidos em cores para meia dúzia de felizardos. 

Naquele fevereiro de 72, a TV Difusora entraria para a história ao fazer a primeira transmissão em cores. Que não foi do Carnaval do Rio, como pregavam alguns, mas da festona em Caxias do Sul - não por acaso, terra do ministro das Comunicações, Higino Corsetti, do ministro dos Transportes, Mário Andreazza, e do governador gaúcho, Euclides Triches.

Cérebro de idoso está repleto de informações, tantas que umas encobrem outras. Deve ser por isso que lembro pouco do desfile, mas tenho bem viva na memória a solenidade realizada no dia seguinte, 20, no hoje denominado Estádio Centenário, quando a mesma Difusora (Canal 10, agora Band TV) transmitiu o jogo entre Grêmio e Associação Caxias de Futebol. A associação fora recém-criada ao unir Flamengo e Juventude, dois clubes que deixaram a rivalidade de lado para resolver as crises em que naufragavam, e a partida terminou com um chocho zero a zero. Foi, de qualquer forma, um momento histórico ao se tornar o primeiro jogo de futebol transmitido ao vivo e em cores para o Brasil. 

Para a Difusora em especial, os feitos de transmissão do jogo e do desfile de abertura da Festa da Uva foram espetaculares, como não se cansavam de expressar seus comunicadores. Ufanismo válido, claro, mesmo que em cores propriamente dito apenas algumas centenas de espectadores privilegiados tenham conseguido saborear o desfile em um dia e o jogo no outro. Afinal, outros eram os tempos; não havia mais de 500 televisores para acompanhar o pioneirismo. Os demais milhares de espectadores interessados nas atrações tiveram de se contentar com a velha porém mágica fórmula, a de colocar na frente da telinha de 20 polegadas um papel celofane tricolor, em verde, azul e vermelho. Outros tempos, outros tempos...

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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