Croniconto: A Unhólatra

Por Flávio Dutra

Inspirada em um diálogo real.

Ele foi surpreendido com a manifestação dela em uma roda animada e de predominância feminina.

- Mas que bonitas as tuas unhas.

Ela referia-se às unhas dos pés dele, unhas à mostra porque usava uma sandália própria para os dias de verão.

No início, ele não entendeu o elogio e ficou olhando para os pés. Eram mesmo suas unhas, aquela maior do dedão e as parceiras dos dedos menores, o objeto de admiração da moça? Só lhe ocorreu uma resposta um tanto vaidosa e, digamos, maliciosa. Afinal, se merecia elogios por uma parte da extremidade do corpo, normalmente escondida por meias e calçados, poderia se permitir um exibicionismo:

- Já recebi muitos elogios por outras partes desse corpinho aqui, mas pelas unhas é a primeira vez. 

A frase teve o efeito desejado na elogiosa moça e na pequena plateia feminina que presenciava a cena. Houve risos das circunstantes e um leve rubor na apreciadora de unhas bem formadas. 

Pintou um clima, pensou ele, enquanto se afastava do grupo. Ficou, porém, a divagar sobre o que levaria uma pessoa de predicados pessoais e estéticos, estes sim merecedores de grandes elogios, ter fixação nas unhas alheias, ainda mais dos pés.

Ele se limitava a manter as suas devidamente limpas e aparadas, sem outras preocupações estéticas. Não lembrava de problemas que tivessem gerado desconforto e exigissem cuidados extras nos pés. Diferente de alguns conhecidos, exagerados na manutenção das unhas, apelando para salões de beleza que oferecem imersão nos pés, esfoliação, corte de unhas, polimento e, às vezes, até revestimento com um esmaltezinho transparente.

"É muita viadagem", resmungou baixinho, porque não se atreveria a uma manifestação tão politicamente incorreta.

Foi então que o celular chamou e ele atendeu de pronto, quando o visor indicou quem era.

- Oi, sou eu aqui. Eu queria conhecer aquelas outras partes do teu corpo que têm sido elogiadas?

Além de unhólatra agora a moça se mostrava também muito curiosa.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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