De grafite e pichações

Por Vieira da Cunha

Grafite e pichação não são duas formas de expressão artística.

Grafitar é arte, pichar é crime.

Há controvérsias a respeito, mas em geral a forma como pichadores expressam seus "sentimentos" degrada cidades, vandaliza prédios públicos tombados, ofende o bom senso. Em nome dela, a pichação, cometem-se barbaridades, com os proprietários, sejam públicos ou privados, tendo de arcar com despesas extras para recuperar o estado original.

No Carnaval a escola Vai-Vai resvalou neste falso entendimento de que pichação poderia ter algum valor intrínseco em sua expressão. Além de tratar a polícia de uma forma polêmica, ao criticar a violência policial comparando indistintamente todos seus agentes a demônios, esbanjou elogios ao pixe. O enredo partiu de uma boa ideia, a de celebrar os 40 anos da cultura Hip Hop no Brasil, chamando a atenção para a arte urbana em diferentes manifestações - DJ, MC, Break e Grafitti. Acertou ao exaltar a grafitagem, ao mesmo tempo em que errou ao explicitar simpatia para com a pichação, destacando a figura do pichador em uma ala especial denominada "Picho porque existo".

A ideia de procurar mostrar a rua como espaço em constante disputa pela arte na cidade de São Paulo rendeu mais críticas devido à abordagem dada à atuação dos agentes de segurança pública. A Vai-Vai precisou se posicionar argumentando que seu desfile foi "um manifesto crítico na cidade de São Paulo, com foco nas exclusões como cultura do hip hop e seus 4 elementos - breaking, graffiti, MCs e DJs". E se defendeu com a alegação de que é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, "sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época".

Ao exaltar o hip hop, beleza, ponto para os carnavalescos. O movimento entranhou de tal maneira na cultura popular brasileira que já tem até museu em Porto Alegre, aguardando sua visita.

Mas colocar o ato de pichar no mesmo nível do grafite, vale repetir, agride os valores deste ao mesmo tempo em que absolve os crimes daquele. Grafite é geralmente uma expressão de arte contemporânea, pichação é quase sempre vandalismo. O grafite é um processo criativo, pichação é agressão ao bom senso, uma ridícula disputa entre seus praticantes para ver quem faz mais e mais alto e no local de acesso mais difícil.

Grafitar é criar, pichar é agredir.

Um bom exemplo esteve no ato criminoso de agressão ao histórico prédio da Faculdade de Medicina da Ufrgs. A edificação era alvo dos pichadores desde que, veja só, fora restaurada e entregue à cidade com toda sua imponência e rara beleza. Um marginal conseguiu o feito, deve ter comemorado junto a seus iguais, e para a direção da instituição sobrou o transtorno e o custo de restaurar, mais uma vez, um patrimônio da sociedade.

Não dá mesmo para exaltar esta ação criminosa. A Vai Vai, a propósito, graças a seus equívocos, ficou em oitavo lugar no desfile.

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Em tempos em que sustentabilidade, meio ambiente e a preservação do planeta estão mais do que nunca na ordem do dia, Três Dias que Mudaram Tudo é uma minissérie que merece ser vista com atenção. Reproduz os momentos dramáticos vividos após um terremoto extraordinário, com magnitude 8,7, ter provocado um tsunami estúpido de 15 metros de altura que atingiu o sistema de refrigeração da Central Nuclear de Fukushima, em 2011. Três dos seis reatores nucleares da usina japonesa derreteram provocando o maior desastre do gênero desde o acidente da soviética Chernobil.

Os oito episódios da minissérie que a Netflix mostra não romanceiam nada e tratam de forma técnica e quase impessoal os desdobramentos dos esforços dos funcionários da usina para tentar evitar o pior nestes três dias de drama. É como se três personagens estejam no centro da história: os trabalhadores, dedicados incansavelmente a tentar minorar o pior; os diretores da empresa concessionária, todos atônitos para entender o que está ocorrendo; e os governantes, estes muito preocupados com a opinião pública e indecisos sobre as medidas a adotar para proteger a população.

É drama o tempo todo, e para a humanidade teria ficado uma lição exemplar, se já não tivesse sido praticamente esquecida. É estarrecedor verificar que, localizada na costa, a usina não tinha proteção nenhuma contra tsnumanis nem era capaz de suportar os efeitos de um terremoto.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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