Educar é um ato fecundo de amor

Ninguém merece. Só mesmo esta frase totalmente lugar-comum para explicar meu sentimento ao deixar o aconchego do lar, local onde estava abrigada do frio, …

Ninguém merece. Só mesmo esta frase totalmente lugar-comum para explicar meu sentimento ao deixar o aconchego do lar, local onde estava abrigada do frio, encolhidinha, abafadinha e confortável, na segunda-feira, início da noite, para comparecer a uma reunião de entrega dos boletins da 7ª série do colégio da Gabriela Martins Trezzi. Fazer o quê? Juro que, por alguns minutos de loucura que logo me abandonaram, pensei em não ir. Afinal, no outro dia, as notas estariam disponíveis na Internet e talicoisa. E como diz uma amiga quando é convidada para uma balada no inverno: "Ter que tirar as pantufas, nem pensar".


Para não macular a minha caderneta de freqüência (nunca faltei às reuniões do colégio para entrega de avaliações e boletins em sete anos) e agasalhada dos pés à cabeça, optei por encarar o desafio e segui o caminho do colégio. No curto trajeto, encontrei uma outra mãe e fomos conversando. As duas reclamaram do frio e do fato de que são sempre os mesmos pais e mães que aparecem nestas chamadas. Aliás, conforme relatos dos coordenadores e regentes de classe, normalmente os pais e mães mais assíduos às chamadas do colégio representam os filhos que menos problemas oferecem.


Evidente que em épocas de relacionamentos hipermodernos (pais separados, casados novamente, até com pessoas do mesmo sexo, mães solteiras e namoridos), a platéia destas reuniões, na sua grande maioria, é formada de mulheres. As mães separadas é que costumam arcar com a educação dos filhotes (o ônus e o bônus, hahaha), o que não permite nem mesmo uma paquerada básica. Não, por favor, não me julguem mal. Sem conclusões precipitadas. Jamais fui às reuniões do colégio com essa intenção e nem sou tarada mais do que o normal, mas bem que podia unir o útil ao agradável, se ao menos tivesse colocado um batom.


Ao entrar na sala de aula destinada à reunião de pais e procurar um rosto de mãe conhecido para ser minha vizinha na empreitada, compreendi, mais uma vez, que "nada como um dia atrás do outro". Tudo indicava que o encontro seria memorável e diferente de tudo que eu já vivera até ali. De aproximadamente 35 pessoas na sala, mais da metade eram do sexo masculino. E, pasmem, todos com um respeitável ar de preocupação. Pais com rosto franzido, barba grisalha, esfregando as mãos, um pouco de frio, mas também por ansiedade. Alguns, escondiam, por trás dos óculos, olhos inquietos de preocupação.


Na mensagem entregue aos pais pela coordenadora de turma, que serviria de texto para a abertura da reunião, uma pista que explicaria, mais tarde, com a seqüência das perguntas, a nova composição da platéia. "Educar é viajar no mundo do outro, sem nunca penetrar nele. É usar o que pensamos para nos transformar no que somos", apontava a reflexão assinada por Augusto Cury, que consta no livro "Maria, a maior educadora da história". Se já é difícil educar quando os nossos filhos são pequeninos, imaginem com os rebentos entrando na adolescência, eterna fase de rebeldia, inconstância e questionamentos.


Na noite fria de segunda-feira, homens e mulheres responsáveis por adolescentes na faixa de 13 anos foram buscar respostas "didaticamente e pedagogicamente corretas" para as situações que deixam os pais e mães desta geração encurralados. Como explicar, por exemplo, que ela não pode ir à festa radical para a tribo de sua idade se tirou nota baixa em alguma matéria, se, às vezes, não conseguimos nem mesmo olhar os cadernos para acompanhar os conteúdos que está aprendendo? Um pai visivelmente angustiado (ele separado e cuida da filha) relatou que a adolescente não lhe mostra o material do colégio. E agora?


Como prossegue o texto da reflexão: "O melhor educador não é o que controla, mas o que liberta. Não é o que aponta erros, mas o que previne. Não é o que  corrige comportamentos, mas o que ensina a refletir. Não é o que enxerga apenas o tangível aos olhos, mas o que vê o invisível". Hellooooooo. Alguém me indica a loja onde encontra um manual de instruções. Brincadeira, é claro. Educar não é tarefa fácil, mas não é impossível, e somente "quem pariu Mateus e que o embala sozinha há anos", pode compreender a alegria de supor (até posso estar enganada) de que está no caminho certo.


Não sei as respostas. Não sei se, de vez em quando, não sou muito severa exigindo posturas que ainda não são adequadas à idade de uma adolescente. Não sei se, com freqüência, não transfiro meus medos e "encrencas" para a cabeça elétrica de Gabriela. Apenas sei e assino embaixo que devo errar constantemente nas resoluções que tomo em relação à Gabriela. Mas só erra quem tenta acertar. E que educar, como ensinou a querida Magali, dona da creche onde a Gabriela conheceu as primeiras lições de cidadania, é um ato fecundo de amor.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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