Ele

Parece você ou eu: tem pernas, braços, cabeça, bolsos. Desde que nasce, recebe uma atenção federal. Por ser ativo e produtivo, vive em bandos, …







































Parece você ou eu: tem pernas, braços, cabeça, bolsos.

Desde que nasce, recebe uma atenção federal. Por ser ativo e produtivo, vive em bandos, se bem que ainda não inventaram coletivo exato pra ele.



Cheio de aptidões e habilidades inatas, aprende fácil e realiza proezas tanto por interesse próprio quanto por ordens. Seu maior prazer é se cercar de prazeres. Para adestrá-lo, inventaram o consumo: basta atirar uma novidade no ar e ele vai correndo buscá-la. Nessas ocasiões, abana o rabo sem tê-lo.



Às vezes tão inteligente quanto um ser humano e em outras tão idiota quanto outro ser humano, ele se mostra cordato com as instruções que recebe. De tanto seguir regras, segue qualquer coisa que pareça ser eleita por ele.



Obediente, cumpre seus deveres diuturnamente, em períodos que ele chama de expediente porém no fim ele vê que isso deveria ter um outro nome.



Pelas tarefas que executa bem, ganha quinhões. Pelo tino acumulador que lhe é característico, acaba por desenvolver um exagerado senso de propriedade. "Seu" e "sua" são sons tão agradáveis que sempre lhe fazem voltar a cabeça ao ouvi-los.



Então, em noites de lua cheia, crescente, nova ou minguante, vira dono - nasce-lhe um sentimento de posse por todo o corpo e assim coberto ruge em estéreo na direção dos luminosos.



Mas isso não chega a ser a sua sina.



De tez negra, branca ou parda, seu couro é apreciado pelos predadores oficiais da espécie. Como a temporada de caça é permanente, ele tem seu couro arrancado várias vezes ao ano. É um ritual que até suporta, resignado. Sabe que novas camadas nascerão. Uma para cada tipo de predador: municipal, estadual e nacional.



Por isso, toda vez que anunciam medidas orçamentárias, urra em várias vias, sofre como o animal acuado que realmente é. Sua síndrome incurável chama-se atribulações por tributos. Lamenta-se às autoridades, como o cordeiro ao lobo. Sua frio, e logo é taxado pela sudorese. Ao longe, zunem lâminas no esmeril.



Nem lhe permitem um zíper no corpo para remover seu couro suavemente. Ser esfolado vivo é a sua sina.



Ele é o Contribuinte.




A densidade demográfica aumenta sensivelmente
quando se espalham na cidade as equipes do censo.


Graças aos punguistas em todos os lugares,
o dinheiro circula muito mais.



Se só Jesus nos salva, quem nos salvará das
ladainhas dos crentes Dele em nossa porta?



A prova de que a vida passa cada vez mais rápido
é que nunca se viu tantos ultrapassados ao redor.



Nas camas, os prazeres irresponsáveis dos adolescentes.
Nas ruas, um orfanato de pais vivos.



Teorias não gostam de trocadilhos, mas a causa
da economia informal é a formalidade econômica.



Pedestre é um automobilista temporariamente sem poder.
Automobilista é um pedestre momentaneamente poderoso.



Se a dor ensina a gemer, a Polícia é a pós-graduação.



Só vamos descobrir o bem que nos fazem as
caminhadas quando já estamos caminhando mal.



Etc.




Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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