Espelhos

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Lembro muito bem daquele dia em que comecei a envelhecer. Eu estava diante do espelho do banheiro, ainda sonolento da noite mal-dormida. Fico olhando para a imagem refletida, mas não reconheço o rosto no espelho embaçado. Me perguntei:

"Quem é o velho que me olha do espelho?.

O espelho é um objeto mais do que familiar, quase íntimo. Com ele convivemos diariamente, desde a primeira hora da manhã, na hora de chegar e quando estamos no trânsito. Mas se pensarmos melhor, veremos que os espelhos são cercados por mistérios. Ninguém sabe quem o inventou, onde e quando surgiu. Na antiga Sumária e no Egito se depositavam placas de metal polido nas tumbas de reis e faraós para refletir seus espíritos.
Desconhecido na Idade Média européia, foi graças ao gênio e refinamento dos venezianos que se transformou em um objeto universal de vaidade. Os antigos acreditavam que seus reflexos revelavam além da realidade aparente; magos e feiticeiros os usavam para antever o futuro e na tradição indo-budista era um instrumento para julgar almas dos mortos.

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Bastam dois espelhos para se obter uma breve visão do infinito. Um espelho reflete o reflexo do que o outro refletiu e vice-versa - um túnel no espaço que se perde "ad infinitum". E quase somos tentados a enfiar a mão na fenda do tempo e tocar em seus reflexos. Assim como a bola de cristal dos videntes, o espelho sugere uma meditação sobre o vazio e o silêncio. Se é realmente mágico, o primeiro espelho da história deve ter enlouquecido aqueles que viram sua imagem refletida. Para os ciganos funciona como uma janela que se abre para a alma humana. Não há registro histórico de qual teria sido a reação dos incas, astecas e indígenas ao ver seus rostos refletidos nos espelhos presenteados por Pizarro e Cortez.

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Edgar Allan Poe recomendava ter cuidado ao ficar diante de um espelho em um quarto escuro. Escreveu que espelhos podem adquirir vida própria e refletir mais do que está diante dele. Eu passei por experiência semelhante, diante de um espelho, trincado e embaçado pelo tempo. Talvez tenha sido só um jogo de luzes ou ilusão de ótica, mas naquele espelho vi as águas inundando a cidade, suas casas e praças. E vi também o reflexo de mim mesmo, fugindo da enchente e com medo de se afogar. Desde então, evito espelhos em quartos escuros.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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