Estórias do Bom Fim

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Havia um tempo de cadeiras na calçada.

Era um tempo em que havia mais estrelas."

Mario Quintana.

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Era voz corrente de que o velho Benjamin era o mais antigo morador do Bom Fim. Ele falava do incêndio que destruiu a fábrica de chapéus Prada e o que queimou o altar de madeira da capela do Nosso Senhor do Bom Fim. E contava de quando a Avenida Oswaldo Aranha se chamava Caminho do Meio e se alongava até Viamão. Eu ouvia aquelas estórias, imaginando como seria o Parque da Redenção quando era pastagem e pouso para os tropeiros que levavam gado para os Campos da Vacaria. Devia ser o mesmo Potreiro da Várzea, onde meu avô comprava cavalo chucro e boi carreteiro. 

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Para um guri novo como eu, o Bom Fim era um território meio misterioso, com muitas promessas de descobrimentos. Tudo começou quando a Dona Amanda, professora no Jardim da Infância, nos levou a passear pelos jardins da Redenção. Como fiquei deslumbrado! Adorei os espelhos de água e o chafariz que jogava água pro céu. Depois, no primário do Instituto de Educação, na volta para casa, procurava novos caminhos, explorando as ruas e becos do bairro. Às vezes, pela Felipe Camarão, dobrando a esquina do Fedor - um boteco que nunca fechava as portas. Ou subia pela Fernandes Vieira, passando a Padaria Três Estrelas, com o perfume de pães saindo do forno. Além disso, havia a João Telles que aguçava minha curiosidade, mas era preciso tomar cuidado ao cruzar pela Travessa Cauduro, com seus tipos de má fama, que o pai dizia que "tinham ficha na Central"...                  

Caminhar pela Avenida Oswaldo Aranha era o melhor de tudo - o vento nas altas palmeiras do canteiro central... o sino da Santa Terezinha. De tempos em tempos, um bonde barulhento, vindo ou indo para os altos de Petrópolis. Sem falar nos artistas de Hollywood nos cartazes no Cinema Baltimore e nas vitrinas da Casa Bayadeira. Ali admirava coisas para quem sonhava um dia ser desenhista - os estojos com 32 lápis-de-cor Johann Faber, as canetas Parker 51, tintas para aquarela, pincéis, tinta nankin, os blocos de papel-de-seda. 

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Naquelas andanças aconteciam encontros, uns mais apreciados, outros, nem um pouco. Quase sempre, era com o Isaac, filho dos donos da Casa Gato, que vendiam sedas chinesas a metro. E o Isaac contava o que acontecia à noite no Bom Fim. Um dia, uma briga feia na porta do Fedor, no outro, um ferido a navalha dando entrada no Pronto Socorro. Ou a sirene da rádio-patrulha que acordava a todos na alta madrugada.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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