Eu matei Odete Roitman

Por Flávio Dutra

Já gostei mais de novelas, mas agora prefiro as séries e os filmes dos streamings no horário  dos dramalhões. Tem séries  para todos os gostos e como  paciência não é o meu forte para acompanhar as de duas ou mais temporadas, prefiro as minisséries, aquelas de maratonar numa tarde. Dos filmes, assisto até aos indianos e filipinos para me livrar da novela.  Vale também o mesmo critério da impaciência para duração da trama televisiva,  além dos argumentos repetitivos, os núcleos que precisam contemplar, em nome da inclusão, todas os segmentos identitários e os elencos renovados, sem empatia com o público.

Entretanto, sou obrigado a reconhecer que a Globo acertou em cheio com o remake de Vale Tudo, tanto assim que se repetiu o fenômeno de  todo o Brasil querer saber quem assassinou a vilã Odete Roitman (Débora Bloch). As mais prementes questões nacionais  e internacionais foram relegadas ao segundo plano diante do mistério criado pelo roteiro. 

É bem verdade que a Globo colocou todo o peso da sua liderança e expertise  sobre as tramas da novela, criando expectativas e direcionando situações em variados programas,  de forma a manter sempre em alta o interesse em Vale Tudo. Até os programas esportivos entraram no ritmo do Vale Tudo, com algumas brincadeiras que não chegam a surpreender porque, cada vez mais,  a cobertura esportiva virou entretenimento. O resultado é que os índices de audiência, que é o que interessa porque vão impactar na comercialização dos espaços,  responderam bem aos esforços da Globo. Se não foram índices maravilhosos, pelo menos a novela conseguiu deter a queda de audiência do horário,  o que, aliás, tem  afetado a programação das tvs como um todo em todos os horários. A  audiência no principal mercado, a grande São Paulo, acumulava a média de 23,3 % até  13 de outubro, mas o capítulo de "morte" de Odete Roitman atingiu 31%, o maior índice no horário desde 2023. O interessante é que dados preliminares indicam que a audiência média no capítulo final baixou para 29,17 em São Paulo, contra 39 pontos no Rio. 

De minha parte, retomo as premissas do  primeiro ´parágrafo, para confessar que eu matei Odete Roitman.  Foi de forma figurada, é claro,  porque não havia me dignado a assistir a um capítulo sequer da novela,  nem mesmo  o da morte, que virou atentado, da malvada personagem. Só que acabei assistindo ao capítulo final porque fiquei sem acesso ao Netflix. Acho que foi retaliação da Globo pelo meu desinteresse.  De qualquer forma, acompanhei todo o desenvolvimento da trama, bastando para isso ficar atento à profusão de chamadas diárias ao longo da programação.

 Houve um tempo que essas antecipações nas situações eram pecado mortal para quem produzia e para quem era telespectador cativo dos teledramas, que se sentiam enganados por acabarem com as surpresa da trama.  Agora, os distintos telespectadores foram  domados, podem conferir o que que vai acontecer nas chamadas e nas colunas especializadas e nada reclamam porque o que interessa é participar do show, mesmo que passivamente. Essa estratégia não vale, porém, para acabar com o necessário suspense quanto ao desfecho do enredo, como em Vale Tudo, que, avalio eu, virou um anticlímax com a ressurreição de Odete Roitman. A propósito, que capítulo final bem chocho!    Mas é assim que mais um campeão de audiência acontece, mesmo com minha assumida indiferença, diante da total indiferença da Globo com a minha indiferença

Em mais uma tentativa de reverter o cenário morno da audiência, o trunfo da nova novela das 9 é a volta de Aguinaldo Silva, autor do primeiro sucesso de Vale Tudo. Entretanto, prevejo que   a próxima atração vai precisar mais do que três graças para repetir o interesse gerado pela sua antecessora. De minha parte, vou dar uma espiada de vez em quando só para ver a Sofie Charlote.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

Comentários