Expressões desconhecidas

Por Renato Dornelles

Uma das tantas lições que a gente aprende na prática do jornalismo é a de nunca publicar nada sem alguma checagem. Não falo de conferir a veracidade de uma notícia, algo que é óbvio. Mas de expressões que podem parecer ingênuas ou de pouca importância em meio ao contexto de uma reportagem.

Lembro-me que uma vez corri o risco de entrar em apuros por, na pressa e correria, não conferir e, consequentemente, não cortar da fala de um entrevistado algo realmente dito por ele, mas que poderia comprometer o trabalho, a mim e ao jornal. Ou, no mínimo, causar constrangimentos e desgastes.

Na época eu trabalhava no Diário Gaúcho, que tinha sua redação independente (antes da integração das redações no Grupo RBS), mas, seguidamente, recebia pedidos de editores do Segundo Caderno, de Zero Hora, para entrevistar artistas, como cantores e músicos. Isso, na verdade, ocorria desde os anos 1990, quando o DG ainda não existia e eu trabalhava em outras editorias de ZH não ligadas diretamente à cultura.

Desta vez, o pedido foi para que entrevistasse um famoso cantor, que eu, por experiências anteriores, sabia que era bastante complicado na hora de falar com a imprensa escrita. Sabia disso porque já havia o entrevistado outras vezes. E desta vez não foi diferente. Ele ainda não havia chegado a Porto Alegre, onde faria show. Falei com ele pelo telefone. Após a segunda resposta, ele alegou que não iria falar muito, pois estava "poupando a voz" para a apresentação.

Na tentativa de esticar a conversa, comentei com ele que outro artista, muito amigo dele, também faria show em Porto Alegre na mesma noite. Funcionou, pois ele se entusiasmou: "O quê? O meu compadre também vai estar por aí? Então vamos tampar na chapa", disse ele.

Transcrevi a fala na íntegra. O Segundo Caderno tinha horário de fechamento diferenciado em relação ao restante do jornal. Era sempre no início da tarde. Fechei o texto, enviei e avisei o editor. Mas, como se diz, fiquei com "a pulga atrás da orelha". O que seria "tampar na chapa?". Liguei para um amigo que tinha um bar frequentado por diferentes públicos, inclusive a nata da malandragem. Ele, de primeira, me respondeu: "tampar na chapa é cheirar cocaína".

Apavorado, liguei para o editor e pedi que retirasse a expressão. Já me via tendo que responder por apologia, indução ou qualquer outra forma de incentivo às drogas. 

Autor
Jornalista, escritor, roteirista, produtor, sócio-diretor da editora/produtora Falange Produções, é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), com especialização em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2021). No Jornalismo, durante 33 anos atuou como repórter, editor e colunista, tendo recebido cerca de 40 prêmios. No Audiovisual, nos últimos 10 anos atuou em funções de codireção, roteiro e produção. Codirigiu e roteirizou os premiados documentários em longa-metragem 'Central - O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil' e 'Olha Pra Elas', e as séries de TV documentais 'Retratos do Cárcere' e 'Violadas e Segregadas'. Na Literatura, é autor dos livros 'Falange Gaúcha', 'A Cor da Esperança' e, em parceria com Tatiana Sager, 'Paz nas Prisões, Guerra nas Ruas'. E-mail para contato: [email protected]

Comentários