Extrato da Autoestima: do bug ao superávit

Por Beto Carvalho


A autoestima de uma querida amiga funcionava como um app de banco com bug. Todo dia o sistema abria sozinho e mostrava só o que saía. Comparação com a colega segura? Saída. Foto em que o cabelo não colaborou? Saída. Ideia que ficou presa na garganta na reunião? Saída. No fim do dia, o extrato fechava no vermelho e ela jurava que devia ao mundo algo que nunca conseguiria pagar.

Os créditos, quando apareciam, eram bloqueados. Elogio da chefe? "Transação suspeita." Abraço da amiga? "Valor irrelevante." Riso de canto de boca numa tarde qualquer? "Evento não recorrente." O app interno tinha uma regra cruel: o que é bom expira na hora; o que dói acumula juros.

Certa vez, conversando com ela, ousei expressar uma constatação que, entendia, pudesse soar como uma auditoria do bem: seu extrato está errado - você só reconhece a saída. Não é que falte valor; falta reconhecimento.

Ela decidiu mexer nas configurações. Criou novas categorias. Colocou na lista de ativos aquilo que sempre chamou de defeito: a sensibilidade que a silenciava era a mesma que fazia dela uma ótima ouvinte. Registrou como crédito recorrente o básico que vinha ignorando: dormir melhor, beber água, caminhar ao sol, conviver com amigos, responder "não" sem culpa.

As sombras não foram varridas. Entraram no orçamento como parte do todo: alertas de atenção, não motivo de pânico. Em vez de fraude, aprendizado. Em vez de vergonha, contexto.

No primeiro mês, nada de milagre. Ainda teve dia de queda, nota rasurada, atraso. Mas o extrato parou de mentir. Ao lado dos custos, começaram a aparecer investimentos: um curso que a animou, menos tempo rolando o feed aleatoriamente, um comentário na reunião que abriu espaço para outros.

Vieram depósitos minúsculos, quase invisíveis, que rendem no longo prazo: paciência, gentileza consigo, intervalos para respirar. Juros compostos de cuidado.

Até que, numa terça-feira qualquer, revisando o dia, ela percebeu: não faltava tanto assim. Havia superávit de humanidade. Havia história, esforço, afeto. Havia saldo.

Ela não virou impecável. Virou inteira. E é isso que muda tudo: autoestima não é ter um cofre lotado de perfeições; é ter um extrato honesto, que registra luz e sombra, ganhos e perdas. Quando a gente aprende a montar a contabilidade da vida inteira - e não só o que falta - descobre que o suficiente sempre esteve ali, como um ativo latente, esperando ser reconhecido.

Autor
Beto Carvalho é consultor, mentor e conselheiro Empresarial, escritor e palestrante. Executivo com mais de 25 anos de experiência diretiva em empresas nacionais e internacionais, foi recentemente diretor-executivo de Marketing do Grêmio, tendo sido eleito em três oportunidades, o melhor executivo de Marketing de Clubes do futebol brasileiro. Escritor, Beto Carvalho é autor dos livros A Azeitona da Empada (2007), A Cereja do Bolo (2009), Você é o Cara (2011) e Diferencie-se (2023).

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